segunda-feira, 1 de março de 2010

Surdo

O dia acordou surdo.
Amanheceu alheio a qualquer barulho.
E eu alheio a mim continuei ali, no absurdo.
O dia que nasceu sem graça não ouviu cantar o galo,
Nem o farfalhar das folhas tocadas pela brisa,
ou as ondas que quebravam na praia.
O dia nasceu com pressa.
Não viu a menina passar,
Nem a borboleta, nem o sabiá.
E eu cheio de mim continuei a olhar.
O dia acordou nervoso.
Acinzentou o céu, escondeu o sol.
Não tinha vento, nem chuva.
E eu vazio de ti continuei ali querendo nascer de novo.
O dia nasceu pirraçado pela noite.
Ela fez o que queria dele, no lugar do beijo um açoite.
Adiantou a alvorada, tardou em aparecer.
Deixou-o esperando com o sol no meio do céu.
E eu continuei ali só sendo.
O dia, coitado dele, nasceu orgulhoso.
E na pressa esqueceu-se de acordar os pássaros.
Tapou os ouvidos e não ouviu o mundo.
Nervoso, deixou de ser belo.
Nem ensolarado nem chuvoso.
O dia deixou de ser.
O dia acordou triste, mas toda tristeza que existe,
Existe pra virar poesia.
E eu continuei ali, esperando minha hora de aparecer.
Eu, e o dia ali querendo morrer de novo.