quinta-feira, 14 de junho de 2012

Comboios III



Não tenho mais tanta fome de outros corpos, outras almas.
Esse ofício vão de dizer coisas, dizer coisas, dizer coisas.
Esse comércio de palavras e carinhos, às vezes não me dá prazer algum,
Só me faz falta.

Meio copo de cachaça, uma vida mais simples e sábia.

Não me acompanha mais essa enorme inquietação urbana,
Esse caos programado de um pecado maior.
O que me agrada é olhar pelas janelas,
Ver a rua acontecer na doçura das pedras polidas.
A moça nova, pálida e distante.
O velho raro, seu tamborete e um cigarro.
Exato, me reconheço.

Saber o valor ao invés do preço.
Sentir de perto o calor em vez de inventar um fogo alheio.
Esse disco de Al Jarreau estalando sobre a pickup Technics.
Esse copo de pinga ruim e a noite estreita se esgueirando pela porta.
This is your song. Yeah!
Ele diz.

Muito desse viajar é sentir .
A estrada que se estende em minha frente, tem a imponência que lhe cabe e o poder de sedução que lhe foi adquirido.
Muito, mas muito mais do que eu vi, ainda é uma porção pequena do coração.

Toda realidade é um excesso,
Uma busca por enxergar-se.
Vivemos todos em comum nessa viagem.
Por isso eu falo por outras bocas e sinto em outros corpos.
Que não são meus, mas fazem parte dessa coisa maior que não sei o nome.
Isso que não cabe nos adjetivos
e que fala alto aos que tem ouvido.

Quanto mais vontade eu tiver,
quanto mais força eu encontrar nas sutilezas,
Mais de mim darei ao mundo.
E o mundo me dará o que eu merecer.
Mais perto de Deus eu hei de estar, porque mais perto de mim estarei.
O que quero dizer:
cada alma é uma estrada, cada ser é um rio corrente e a água é viva.

Sinto-me diverso por ser eu, e as múltiplas chances que me são ofertadas, é parte desse universo.
Dessa pequeneza diante da natureza,
dessa arrogância que nos impõe sermos homens.

Já não quero empreender a luta que é entender,
nem a força bruta que é explicar.
Por mais que se caminhe, muito mais haverá de ser estrada.
Por mais que se lave a cara, muito barro, muito chão, nada, nada.

Entre a vontade e o gesto,
O lugar de cada coisa é o hiato.
Quando me lembro.
Aliás, por que me lembro?

Adormeci, vivi e sonhei.
Agora divago manso sobre o que eu quiser.
Tenho propriedade sobre as coisas que me são.
Minha extravagância não é, senão, querer viver.

Se você está a me procurar, faz bem saber:
também estou.

Minha hora tão sonhada:
quando dois estão dois, e quando dois são um, é aonde vou.