sexta-feira, 9 de novembro de 2012


Há, nas gentes, um pouco que vai e um pouco que fica.
Já não são os mesmos passada a aurora dos versos.
Passada a hora de acontecer, sonhar.
Os homens repousaram o azedo no doce da vida.
Hoje, tudo que é saliva, cuspe, catarro, não sai das bocas.
Brota da reclusa solidão a milhões.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Ser tão...


Enquanto o mar ansiar ser tão, tanto, tonto.
Ao ponto de secar sua água e encher meus olhos.
E os meus olhos derramados molharem o chão do teu esquecimento.

Enquanto a minha vida almejar ser tão maior do que toda seca que há entre nós.
Ao ponto de me por todo dia a navegar e amar e a procurar no azul infinito,
Um pouco de alma, um cisco de estrela, uma poeira de estrada.

E quando o sertão vir a ser mais que toda beleza que há entre  nós.
Ao ponto de me fazer deitar sob a aridez da calma.
E atravessar os desertos da ira e andar e buscar no meio do vazio,
Um fio de esperança, um perfume qualquer, algo além de nada.
Água.

Há um lamento que o vento leva nessas horas.
Há um canto de sereia na voz do mundo.
E eu me distraio.
Depois bagunço tudo.

É quando o homem comum se faz poeta.
Quando da planta mal nascida, da verdade mal concebida,
Lá, no obscuro universo do não acontecido,
Nasce o poema.

E o que és tu diante da importância do verso,
Do poder do tempo e da palavra dita?
O poema é um testamento.
É a alma de palavra escrita.

Eu verso porque há em mim um jogo de opostos.
Entre o meu sertão e o teu mar.
Meu amar e o teu ser.
Tão, tanto, tonto.

Justiça seja feita quando o Gerais abraçar o mar aberto,
E brotar o mundo em água no meio do deserto.
E o meu sertão vir a ser mais.
Vir a ser eu.
Vir a ser mar.
E eu morrer afogado em mim, em mar, sem cais.






quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Olho



Eu vi tanta coisa pequena crescer, subir e chegar ao seu apogeu.

Eu vi tantos corpos na contraluz do meu abajur.

Eu vi tanta coisa se desmanchar da minha velha opinião.

Eu me vi tantas vezes voltando atrás de mim.

Eu trouxe o pequeno, eu trouxe o grande ou não trouxe nada.


Eu cheguei até mim na luz de um claro instante.

Numa composição minimalista azul com fundo infinito.

Num retrato em preto e branco de um homem andando sobre trilhos.

Na letra de um velho samba que alimentava-me de sonhos.


Eu devo estar louco por pensar estar certo.

Eu devo estar certo por pensar que tudo é tão pouco.

Eu devo estar em algum lugar entre a vontade e o gesto.

Entre o pequeno e o grande.

Na contraluz da minha velha opinião.

No claro instante em que a composição minimalista cresceu, subiu e chegou ao apogeu.

Eu devo estar certo de estar louco.

Aquele velho samba sou eu.





quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Poema louco


Certos dias, quantos mais?
Quantos dias de chuva ainda hei de estar sob ela
ainda hei de esperar o vento que seque e guarde- a
quantas coisas imprevisíveis acontecerão nas ruas de paralelepípedos
debaixo do calor implacável da zona de transição
quando é caatinga cinquenta quilômetros depois?
ainda me espera voltar, a rua nova onde sempre morei
aquele sobrado sobre a loja de som
vendo o meu time ser campeão
um resto de febre, um naco de gripe
que tempo estranho esse de hoje
quando se corre corre e não se sabe para onde
que evolução controversa perversão dissimulada
quando se olha por sobre os óculos para além das lentes de aumento
Quanto tempo?

Ainda nos resta muita coisa,
escondida, mascarada, maquiada em frente a espelhos quebrados
são retalhos de mim que agora escrevo
que nada
o meu medo é não conseguir dizer tudo que me engasga a garganta
para escrever é preciso coragem
peito aberto, morro ao longe, neblina da manhã
quantos dias nasceram em postos de gasolina
quantos dias morrerão em vão na espera
a beleza que espera a menina que espera
a morte que espreita
morto, morre, morte
mata,
sorte,
equívoco
Serena noite que me toma
que me leva de volta à cidade
ainda há o que fazer em Rio Novo?
muitos se perderam
hoje estão a falar de longe
como era bom quando eu era menino
o rio era limpo e o cheiro era bom
tá vendo aquele areião, não existia
aqui era fundo e a água era clara
o rio não dá conta da contradição que espalha
não sei de que matéria é feita a lembrança
só sei que é doce inventar aquele tempo
O futuro não espera.

Dinheiro, coisas, dinheiro nada
trabalho nada, coisas nada, dinheiro tudo
felicidade, coisas, cartão de crédito
redes sociais, coisas, coisas
alma não, arma não
e o amor tornou-se
virtual banal
Olhe a constelação, Marte está mais próximo vamos morar lá
esse lugar que foi tão lindo já não nos serve mais
como somos indignos!
Vamos pra lá, montamos um partido político
com uma ideia nova sem nenhum vestígio de quem éramos aqui
o planeta vermelho, a ideia vermelha
falhou
Ipiaú, we have a problem

Joga o jogo
sinuca de virote
cigarro barato no queixo do outro
nossa, que cheiro
que dor no peito
me leva pra casa, mas casa não há
me leva pra escola
pruma aula de História sobre Roma
um império cai, outro império levanta
serei escravo
teu servo
tudo que fui estará em teu nome
esse é meu testamento
deixo tudo pra poesia
todos os meus erros
que ninguém nunca cometeu
todos os meus triunfos
que ninguém nunca conseguiu
bote tudo numa gaveta, tranque e jogue a chave fora
a quem interessa saber do que vivi?
de agora em diante só me encarrego de contar

Certos dias, quantos mais?
Quantos dias de sol eu hei de estar sob ele
esperando que me queime
que me dê vitamina D
na Rua Jaldo Reis não se ouve música
na avenida São Salvador só existe súplica
pobre corpo brasileiro, baiano, ipiauense
pobre crente sem igreja, sem dízimo, sem prece
só meu Deus que nessa hora se compadece
por mais que ainda existam amigos e lembranças
e sejam tantas as esperanças de se ver de novo
por mais que seja de manhã
não dá mais para fazer alvoroço
a alvorada não é mais do povo
Descendo e subindo o morro da lua
pra tomar vinho barato, tocar violão e conquistar o mundo
sempre quis ser vagabundo
beber de gole todo líquido que há em tudo
sugar, sentir, gozar, trepar sem camisinha, carregar o piano
quantos planos
o menino do carro de mão pede dois reais
o cacho de banana é um e cinquenta
biscoito avoador, um taco de requeijão
Arre coração sonhador!
êta paixão desenfreada!

Vamos comer água na praça
ver as meninas saírem da missa
ficamos parados enquanto elas rodam em círculos
que chato, voltemos para o início
vamos lá pra cima
pra casa de Guto
é tudo nosso da Icapp pra lá
a gente sobe e desce dos muros
pisa fundo, vai fundo em tudo
e fica lá até o despertar do mundo
que absurdo não poder estar lá agora
lá no fundo, vendo o rio passar por entre as folhas da goiabeira
entre um e outro
e uma conversa maneira
Eu não esqueci aquela paz
o que ela me trouxe e agora me traz

Dar-te-ei meu coração num dia de domingo
Azul, como deveriam ser todos os domingos
pega ele pra ti, a mim já não me serve
já passei por aqui muitas vezes
pisei, deixei que pisassem, agora é seu
faz dele o que te cabe
coração na mão
aguenta
amor, amar e mais nada

Tudo isso que eu tenho dito não bastou
não me trouxe calma
é essa agonia que levo aonde eu vou
sou isso que agora escrevo
ou invento que escrevo sobre o que sou?
Já não sei mais mentir
perdi a medida da dor na esquina que não virei
é meio dia, em algum lugar nasceu uma flor
devo correr, o almoço está na mesa
exato, igual, reconfortante
pouco se falava enquanto comíamos
o suco bom era de laranja o de jenipapo eu não queria
nossos lugares marcados nas cadeiras de sucupira continuam lá
ainda ouço algum lamento vindo do outro lado da rua
ainda somos nós
estamos juntos, mesmos gastos e corroídos pelos anos que passam
pelas horas que escorrem por entre as mãos de pele fina de minha Vó
não existe razão lógica em deixar pra trás o que se gosta
não há nada novo a se buscar
não há maravilha qualquer que não esteja dentro de si
tenho crença profunda nas coisas que me mantém vivo

O que sou eu para além desses muros altos?
senão o cheiro de curral e leite matutino
senão a sombra da jaqueira que se fazia de monstro
o que sou eu senão a arreata rompida e o coice da mula
a farinha no tacho e a tropa a carregar riqueza nos panacuns
essa corrida que me empenha não é nada além de uma caçada
corro tanto, pra depois me encontrar e morrer em cada bala atirada
o que sou eu senão um emaranhado louco de tudo que eu vi e sonhei, e larguei?
exceto o que eu não quis ser, todo o resto me compõe
posso não ser nada, mas tenho a meu favor tudo aquilo que eu ainda não sou

Vamos juntos não importa pra onde
vamos caminhar descalços sobre brasas se brasas houver
ou sobre a areia da praia se praia houver lá em Marte
com sorte teremos água e vida extra Terra
é muito sofrido pensar que tanta coisa se foi
quartos, alpendres, caldeirões, quintais com canas plantadas
quantas horas ganhamos catando cajás e seriguelas?
As coisas que aprendi olhando do alto do fruta-pão...
É sexta,
dia de pagamento, de acalmar a dor nos botecos
traz o kitute e uma banda limão
traz uma pinga e alguma razão pra continuar aqui
pra essa minha teimosia de querer ser aquilo que eu sempre quis
daqui não, de lá vem, é pra lá que eu vou
com fé e afeto e as mãos fora do bolso
tirar as teias de aranha, o musgo das paredes e das cabeças dos jovens do meu tempo
quão velhas são suas ideias ou quão herméticas são as minhas
que não cabem nesse poema de tão pequenas?

Tenho aspirações maiores do que minhas pernas
tenho pernas maiores do que os passos que dou
tenho dado passos bêbados
ora acerto, ora desapego, ora bebo de novo
mas continuo a andar
porque ir e com que velocidade vou, ainda não sei
as coisas têm uma dinâmica própria que minha alma não obedece
que meu coração desconhece e eu sofro
navalha na carne, sangue no chão
qualquer desespero é vão quando se tem um Deus
qualquer batalha é perdida quando não se luta com alma
outro sonho se vai, outro corpo que cai
me chame pra festa, me leve pra ver a fanfarra em Salinas da Margarida
me deixe em qualquer canto da Baía de Camamu e eu serei feliz
um jazz, um blues do Mississipi, cante a nossa dor
Soul brother, soul sister, sou

Vamos no ônibus da Cidade Sol em direção ao litoral
sentar no fundão, mexer com o povo no caminho, passar por cima de Barra do Rocha
não minha Vó, aquele tempo não tem volta
o povo morreu, o rio sujou, o cacau faliu, a cidade parou
essas roupas já não nos servem mais
não mais esperaremos à porta o cortejo que não vem
não mais vamos contar aquelas mesmas histórias
quero te ver sorrir e pintar de rubro a face alva
e molhar de água salgada os olhos azuis que deram adeus à catarata
quero te ter por mais “zil” anos
curtir os teus reclames, beber o leite que está no fogão me esperando
lasanha ou feijoada aos domingos e Nelson Gonçalves no rádio
que bom é beber nostalgia, cagar ao ar livre e mijar da cara do dia
que bom é ter pra onde voltar depois da labuta, depois de findada a luta
depois de correr o mundo e ver quão grande é tudo
mas que o que te faz feliz é o pouco que você cultivou
é a cidade que te criou e te lançou pelo seu arco
vai voar a tua própria maneira
vai experimentar o fruto proibido
inventar mais um pecado inventado
morrer de amor pela primeira menina, morrer de dor na primeira perda, morrer de prazer no primeiro orgasmo

Coisas organolépticas, coisas padrão, pessoas padrão
leis que regem, leis que ferem, leis que não sei, por isso ignoro
a minha lei é ser eu e participar de tudo
tenho em uma mão o sal da terra e na outra o sexo dos anjos
tenho os olhos abertos fitando o mar
a boca de maresia e líquidos do teu sexo
me dê um pretexto pra ser seu depois desse pôr-do-sol
só seu e não querer comer as outras
me dê amor de um jeito maior, sublime, calmo, que não existe ainda
um amor possível que me tire daqui e me mostre o que há de belo e imprevisível
o que há de calmo e pacífico
antes de tudo virar escombro para uma próxima construção

Tenho problemas para contar a história da maneira correta como pede o guia de instruções
não se demore aqui, caro leitor, se pra você essa conversa está enfadonha
é que talvez minha vida não seja lá tão interessante quanto a dos grandes homens
mas minhas pequenas façanhas hão de me levar mais longe do que qualquer biografia indelével carregada de eufemismos pós-morte
sonho que tive insônia e acordo cansado para um tempo que nunca dorme
um tempo como este, igual a outros tantos tempos de outros tantos seres desesperados para colocar comida ao prato
 e estabelecer vínculos e experimentar o mínimo do que é ser digno em meio a tanta coisa apodrecida, carcomida, fedendo como carniça implorando a desfaçatez de um perfume

Viaja meu verbo , viaja
rompe as amarras do agora e te torna atemporal
vai falar a mais ouvidos do que todos os ouvidos que há no mundo
do que vale escrever, se isso o que eu digo não mexer uma vértebra do teu corpo?
se não invadir o córtex cerebral como um choque, um tiro, um risco, um teco, um trago no fumo forte e ambíguo

Certos dias, quantos mais?
Quantos dias como esse serão dias iguais
iguais a dias como aqueles em que se esperava a boa nova
e que quando ela veio no lombo de um jumento não fora reconhecida, dada a humildade de um rei
Levanta-te e vai!
ergue o teu corpo que é o teu templo
constrói tua igreja que é tu mesmo e só assim te encontrarás
procurar nas coisas concretas o paraíso, o éden, o manancial de águas vivas
é vão
é inútil pensar que Canaã, Zion, Jerusalém ou qualquer outra terra prometida está nas coisas que se pode comprar
coração é terra que ninguém pisa
é ponto de partida e linha de chegada
coração é estrada antiga, viagem de carroça
coração é morada nossa e o paraíso te espera na porta

tive um pressentimento, como um lapso que rompe a atmosfera da casa
vi, ao olhar pela janela, um homem cego reaprendendo a andar
de repente tudo ficou escuro, escuro, escuro
claro,
eu ainda não cheguei ao fim do túnel
está tudo quase escuro como naquele dia que quase te beijei
a manhã era cinza e caía uma chuva fina do sul da Bahia
era quase setembro e eu já não tinha mais do que reclamar
da vida eu não sei tudo
e nem que eu tivesse outras mil vidas como essa,
maior, mas muito maior do que o meu conhecimento,
ainda seria minha curiosidade

Não bebe a água do mar garoto, é salgada
não bebe o mar garoto é muita água
não bebe nada
e assim deixou de nascer um pescador

Sou ariano puro e onde qualquer coisa falta, sobra teimosia
bate cabeça, bate cabeça, bate cabeça
esse é o meu mundo
não sou eu quem diz, é minha testa que anuncia
Bate cabeça, bate cabeça contra o muro

pegue na minha mão, me leve daqui
vamos pro mato, pra detrás daquela moita
transformar nossos corpos num intricado de carne e suor
de modo que quem observe ao longe só veja um só
ou não veja nada,
porque o ato é puro e a luz é pouca
porque o espírito é livre e a aura é clara
porque é alma tudo isso que nós somos vistos dali
não faça nada, deixa assim
deixa existir a estrada do porvir
deixe caminhar o homem ao encontro de si
e se tudo acabar assim,
que belo seria então o início do fim
Inevitavelmente fim e só.

















sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Vai sem nome...

Não me pergunte por que eu gosto disso ou daquilo.

Assim ou assado.

É perda de tempo tentar revelar coisa remota que eu possa esconder na algibeira.

Sou conversa mineira.

 E por qualquer caminho que eu vier, venho manso.

Calçado de lã em chão de madeira.

Um passo atrás do outro passo, estudado.

Um passo atrás do outro passo, derramado.

É de sangue e verso a minha aurora.

Que hei de fazer?

Ser eu, já não cabe em mim.

Posso ser isso ou aquilo.

O resto, eu invento.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Assim


Pra onde a gente vai assim juntinho?
Assim, de carinho em carinho, pra onde?
Pra onde a gente vai compartilhando o mesmo gesto.
A mesma dor no peito.
Pra onde a gente vai assim lado a lado?
Assim no miudinho.
Multiplicando o pouco, dividindo o muito e sendo feliz do nosso jeito?
Pra onde a gente vai depois que o sol se esconde.
Depois que tudo acabou.
Depois que tudo ruiu.
E perdemos a hora do bonde?
Pra onde a gente vai?
Assim, juntinho, de carinho em carinho.
Vamos embora pra longe!
Longinho.
Talvez a primavera nos leve.
Talvez nos leve a canção.
Aliás, vamos embora pra perto.
Pertinho.
Talvez o coração nos leve.
Talvez nos leve a razão.
Talvez nada nos leve e permaneçamos assim.
Assim juntinhos, de carinho em carinho, onde sempre será até breve.

Rebento


Parece-me justo tornar a cabo e sonhar a contento.
E tudo ser de brinquedo.
Fazer de estrada a montanha abrupta, a noite em fúria e a voracidade do tempo.
Como a corrente que tudo leva e a pedra esculpe.
E dá-lhe forma e cores de aquarela.
E dá-lhe vida, por sob as águas, num instante divino.
Parece-me destino justo ser pedra de corrente.
Que quando os revezes à sua frente crescem, passa e segue adiante.
Como tudo que é rio, por hora acalma, assenta.
Por hora estronda e arrebenta.
Por hora lava tudo e recolhe em seu leito.
Em meu peito: água, coração e tormenta.
E sendo encontrar o mar o prelúdio da minha morte.
Lembro-me que um dia fui pequeno a brotar no cimo.
Um rio menor, uerê menino.
Parece-me sorte ter nascido em navegança.
Tenho amor e fé e esperança.
Pedra que rola não cria limo.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Rio de qualquer coisa



Qualquer coisa mínima que acontece.
Qualquer palavra que o vento leva, numa esquina do Leblon, sob os ladrilhos de Copa, é um boom em Ipanema.
Rio de qualquer coisa:
Um samba-esquema, um baiano novo, a mulata-morena-praieira, estátua de areia.
Suingue: é o que tudo representa.

Pra mim, que pouco sei do mundo para além do que imagino.
Que não sei medir força ou encantamento.
Tu és puro veneno.
Tu és mais do que eu posso gravar no cristalino.

O “Maraca” num dia de clássico.
Doces Bárbaros invadindo a cidade.
Sovaco esquerdo do cristo:
eram fogos ou tiros de artificio?

Rio.
Para nós, nunca é tarde.
Para nós, tudo é carinho.

A pedra gigante que guarda o sol e eu sou todo início.
O verde que afronta o concreto dos prédios.
E o “s” com som de “x” que deixa tudo exxxxxplícito.

Rio de qualquer coisa.
Rio.
Haja explicar pra tanto te entender.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Comboios III



Não tenho mais tanta fome de outros corpos, outras almas.
Esse ofício vão de dizer coisas, dizer coisas, dizer coisas.
Esse comércio de palavras e carinhos, às vezes não me dá prazer algum,
Só me faz falta.

Meio copo de cachaça, uma vida mais simples e sábia.

Não me acompanha mais essa enorme inquietação urbana,
Esse caos programado de um pecado maior.
O que me agrada é olhar pelas janelas,
Ver a rua acontecer na doçura das pedras polidas.
A moça nova, pálida e distante.
O velho raro, seu tamborete e um cigarro.
Exato, me reconheço.

Saber o valor ao invés do preço.
Sentir de perto o calor em vez de inventar um fogo alheio.
Esse disco de Al Jarreau estalando sobre a pickup Technics.
Esse copo de pinga ruim e a noite estreita se esgueirando pela porta.
This is your song. Yeah!
Ele diz.

Muito desse viajar é sentir .
A estrada que se estende em minha frente, tem a imponência que lhe cabe e o poder de sedução que lhe foi adquirido.
Muito, mas muito mais do que eu vi, ainda é uma porção pequena do coração.

Toda realidade é um excesso,
Uma busca por enxergar-se.
Vivemos todos em comum nessa viagem.
Por isso eu falo por outras bocas e sinto em outros corpos.
Que não são meus, mas fazem parte dessa coisa maior que não sei o nome.
Isso que não cabe nos adjetivos
e que fala alto aos que tem ouvido.

Quanto mais vontade eu tiver,
quanto mais força eu encontrar nas sutilezas,
Mais de mim darei ao mundo.
E o mundo me dará o que eu merecer.
Mais perto de Deus eu hei de estar, porque mais perto de mim estarei.
O que quero dizer:
cada alma é uma estrada, cada ser é um rio corrente e a água é viva.

Sinto-me diverso por ser eu, e as múltiplas chances que me são ofertadas, é parte desse universo.
Dessa pequeneza diante da natureza,
dessa arrogância que nos impõe sermos homens.

Já não quero empreender a luta que é entender,
nem a força bruta que é explicar.
Por mais que se caminhe, muito mais haverá de ser estrada.
Por mais que se lave a cara, muito barro, muito chão, nada, nada.

Entre a vontade e o gesto,
O lugar de cada coisa é o hiato.
Quando me lembro.
Aliás, por que me lembro?

Adormeci, vivi e sonhei.
Agora divago manso sobre o que eu quiser.
Tenho propriedade sobre as coisas que me são.
Minha extravagância não é, senão, querer viver.

Se você está a me procurar, faz bem saber:
também estou.

Minha hora tão sonhada:
quando dois estão dois, e quando dois são um, é aonde vou.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Comboios II



Vou de viagem.
E por mais bagagem que eu leve, mais ainda cabe na minha sacola.
Não sei qual tempo é meu ou qual espaço me cabe.
Só sei que estou vivo e participo.

Eu, mais uma horda de moleques,
A atirar pedras e correr por cima dos muros.
Todos sujos de infância.
Num tempo que não havia treta e todo mundo era rei.

Ê boi, ê boi da cara preta, pega esse menino,
Traz pra desfilar pela avenida,
Com o pé descalço e o samba na ponta da língua.

A banda passa e eu sigo.

Que venham a mim todos os bancos de praça,
Todas as moças esperando nas janelas,
os amores clandestinos,
Todos os becos escuros em que se faz escondido.

Venham até mim os desajustados,
Os que não se encaixam nos padrões.
Que chegue a mim o fogo de todas as paixões;
Venham ter comigo em comunhão.

Eu tenho o sentimento urgente,
A vontade maior
De fazer mais.
Por você, por mim.
De ser gente.
E ser tudo.
O que o mar traz a praia
e o que calmamente descansa em seu fundo.
Por isso, antes de morrer, flutuo.

A espuma do tempo e a existência ascética.
O lado oculto da lua e o que eu desconheço de mim.
O que mais devo levar, se existir é apenas crer?

Danço, porque ouço a música.
Afinal,
O que é carnaval e o que é vida, senão a mesma coisa?

Maravilha.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Comboios


Boiam na água, na cara do poço, meus sentimentos.
Qual tecido recortado, deitado fora por não servir à roupa.
Por não vestir ninguém.

Não sei mais a parte que me cabe nesse sentir tudo.
Não sei.
Deveras não sei distinguir o que há de errado comigo.
Quiçá saberei o que te aconteceu, ó mundo, vasto mundo.
Pobre de mim, que não me chamo Raimundo.
Que não sei rimar ou emprestar sentido ao que é meu.
Pobre de mim, que não sou daqui.

Tudo que eu quis, ou foi pouco ou sobrou.
E hoje, não há nada que eu queira mais
do que saudar o que ainda não vivi.

Abre a janela menina, abre a janela.
O que você vê, reflete aquilo que você é.
Abre a janela, eu imploro.
Vem te ver.
Tenho fé, menina, por isso escrevo.
Tenho a boca seca, os olhos grandes e algum vazio.


Preciso falar para não endurecer:
Não deixe pra trás, não desista.
Pegue o que é teu.
É o que vale amiga.
O resto é o que pode ter sido, que não é.
O resto é um querer descabido,
uma vontade matreira de te fazer aquém.

Já fomos tudo, outrora, já somos um.
Sigamos juntos, o peito aberto e o olhar noturno.
Caminhemos por mais caminhos do que nossos pés alcancem.
Sintamos o gosto da fruta e a luz da vida na semente.
Voemos alto, por fim, voemos.
Há metafísica bastante em não ter parte com tudo isso.

Tudo que passa.
Tudo que pára as massas.
Tudo que amassa e apodrece as maçãs.
Não é digno de amor.
Não se pode levar pra cama,
Nem dar lugar no esplendor.

Põe mais comida à mesa farta.
Põe mais pretensão divina nas igrejas.
Faça isso de modo que te torne grande e sublime.
Faça isso porque não há nada mais que mude ou altere:
A palavra dita, a flecha lançada e a matéria inerte.

Há mais revolução na mesa de um bar,
Do que em baixo dos pelos, dos peitos,
Das camisas dos jovens alheios.
Com os dedos em riste, fazendo algazarra e farra com o blá,blá,blá dos livros.
Há quem duvide e há quem faça.
O olhar é que os distingue.

Me dê absolvição, ó mestre, não sei o que falo.
Perdoa o cancioneiro errante, o cantador caduco, a sinfonia finda.
Perdoa o infante, estrada afora, sem saber pra onde vai ou de onde vem.
Perdoa a mim, que deixei no espelho d´água tudo aquilo que senti e não sei.