quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Palo Alto



Mais do que ouvir o astrônomo instruído como fez Whitman, é preciso entender os sinais que a vida dá, porque sim, eles existem. Não é numa manhã de terça-feira que tudo desaba. Não é numa noite em claro que tudo se desespera. Não. Coisas antecedem coisas, ondas sucedem ondas, na prática relação causa-efeito.
Sabemos o que é música porque antes nos foi permitido apreciar o silêncio. Gostamos da luz, porque antes tememos a escuridão. Uso essa comparação um tanto clichê, pois assim me faço entender de maneira mais clara e pop. Uso antagonismos porque muitas vezes questionei: por que eu? Ou, por que não eu?
Antes de desejar ter outra vida permiti-me conhecer a minha. Agora, toda vez que eu olhar o cara do paletó, no seu carrão com ar-condicionado e pensar: ali vai um cara super satisfeito com a vida dele. Ou olhar um mendigo de rua e pensar: como pode alguém escolher viver assim? Vou lembrar-me da minha vida e dizer: Ufa! Que bom que esse sou eu.
Vou lembrar que tive infância. Que fui bem criado e educado. E que não tive tudo que quis, mas sempre tive o que precisei. Saber que nisso não há nada de conformismo me faz melhor. Há sim entendimento e compreensão. Há a maturidade do arrependimento e o gozo da vitória também. Nisso, há vida em sentido puro, há alma em mutação, há, mais do que nunca, um coração em metamorfose.
Tiro as borboletas do estômago e as levo para os meus jardins. Deixo o brilho para o sol e a brisa pra uma tarde de domingo. Deixo o charme para os manequins, a maquiagem para as pin-ups e a boemia para os botequins. As coisas são o que são, e nada vai mudar isso.
Fico, e finjo que o queria mesmo era ir embora. Abro os olhos dos meus olhos e os ouvidos dos meus ouvidos, como sugere Rubem, o Alves. Tudo agora é som, e toda palavra me diz, toda vida me ensina. Acho pedras divertidas, como Caeiro e tiro as pedras do caminho, como Drummond. Acredito no latim do Carpe Diem e no amor puro de Djavan.
Olho e repouso sob a sombra de uma árvore frondosa e cheia de frutos. Seus galhos e ramificações se encontram, sua seiva alimenta e fortalece o tronco forte da amizade. Nas suas pontas, bem lá no alto, no mais perto da beleza em que posso chegar, vejo:
Cynara, seus sonhos, palavras e raios de sol. Junior, Simone e seus filhotes, são aquilo que eu quero me tornar. Eveline, a irmã de alma que Deus me deu. Gustavo, desde pequenininho, fala ai Dinho! Marcelo, Peu, Gui, Diego, Marcel. Salve o Diego daqui, o Nêgo e a nega Mariana. Salva ai Caio e Pecinho! Marcinha e seus rebentos, que família linda. Xexinha, como é bom ouvir tua voz, sentir tua força e compartilhar de tanta empolgação. Marco e as palavras sábias. Meus colegas da lida diária aqui na Formato e sua compaixão.
Vejo também aqueles para os quais eu nunca vou deixar de gritar: aí sim família! Estamos juntos. Contemplo todos que me amam e cabem nessa crônica. Todos que eu quero bem e não me abandonam. Dadai, que sorte a nossa! Tarik, sem palavras. Muito obrigado sempre.
Vejo de perto e, principalmente, os que são parte de mim. Que me fazem todo dia lembrar quem eu sou, de onde vim e pra onde eu posso sempre voltar. No verso sabiamente cantado por Mano Brown, “Família em primeiro lugar, é o que há”.
Sento e repouso após um dia longo. Eventualmente a brisa chacoalha as folhas, o sol escapa por entre os galhos e esquenta um pedacinho da minha perna esticada. De vez em quando vem um Bem-te-vi, outrora um Papa-capim que canta B.B King. Meus pés escarafuncham a terra, acordando as larvas e as essências silvestres. Lavoura Arcaica é o que me ocorre, como um lapso de vida passada.
Numa moldura solta, pela qual passam nossas histórias, vejo Anike dando-me um banho e me acalmando com panos quentes. Meu Pai sentado à mesa tarda o fim do café. Enquanto minha Mãe canta um louvor na cozinha que reverbera pelo corredor e chega perto do céu. Minha vó Gracil, como a Úrsula de Garcia Marquez, é testemunha. Sua sofrência e o seu clamor à Santa Rita põe velas acesas.
Á minha frente um grande vale escorre por entre as pedras mais altas. O caminho é uma linha riscada em meio ao bailado do capim e da capoeira. Saco do meu alforje minha única arma, que é escudo e também espada. Que é minha bagagem, meu refúgio nas noites de chuva, a lamparina quando a lua não vem; o meu pão, meu corpo e meu vinho. O amor: essa é a minha foice de abrir caminho.
Levanto e me lembro de um dia ter escrito algo assim: sustento-me, carrego um peso sem medida, seguindo o exemplo da Formiga. 
É preciso seguir, na Via Crucis ou na Highway ampla e veloz. No percurso ou no contra fluxo. A Primavera já está, e mais um Verão vem aí. 
Abriu meu sinal. A vida não espera para acontecer. 
Porque eu?! Porque sim...