quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Comunicado

Venho, por meio deste, comunicar um absurdo, um impropério, um desacato.
Uma denúncia de maus tratos, uma má interpretação dos fatos, um abuso.
Um erro crasso, um fazer obtuso, a presença de um intruso nos advérbios.
Venho mostrar minha indignação, minha recusa, minha renúncia.
É uma falácia, mentira descabida, inverdade deslavada.
Não acreditem, não dêem crédito, não publiquem.
Não levem a júri.
Não acendam as fogueiras, nem carreguem as cruzes.
Não travem as algemas, não torturem.
Somos inocentes, ou provem o contrário.
Não temos preparo, não evoluímos.
É. Nós mentimos.
Não somos capazes.
Não há remédios eficazes.
Não tem cura.
Não há alma pura,
Ou verdade que revele.
Há muito pouco, tampouco.
Sádico e louco, o destino nos espera.
Quanta ira e desejo na boca dessa fera.
Demasiado cruel.
Insensível.
Um espelho sob a pele,
Reflete em meio aos escombros,
Os nossos pecados mundanos.
Os nossos desejos profanos.
Acredite.
Somos humanos,
Demasiadamente humanos.


segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Devaneio

Ficava ali, e ali nada fazia ou guardava.
Tinha o amor a tiracolo, e uma saudade fatigada.
Nada queria, e seu olho aguava uma lágrima convertida.
Não entendia porque trocava seu trabalho por coisas, e estas por outras mais.
Tinha o coração apressado, e uma faca entre os dentes.
A tarde rangia atrás das cortinas, e fenecia
estendida no horizonte vadio de bochechas ora rosas, ora violetas.
Preferia amar de longe e inflar suas velas em mares tranqüilos.
Carregava consigo um vaso com água salgada, que bebia para acordar um dragão há muito adormecido em sua barriga.
Pintava os olhos e as unhas com um rosa tímido. Queria ainda ser menina. Mas tinha vida nova no ventre, e a responsabilidade já lhe esmagava a cabeça.
Ficava ali, e ali nada entendia. O musgo das paredes. A sala vazia. A poeira refletida na luz do sol. Um livro de Dostoiévisk na estante. O desespero constante.
Ficava ali, querendo esconder-se do mundo e criar uma estranha realidade.
Esforçava-se em por pra fora as velhas ideias dos sermões na igreja.
Sua pele permanecia incólume, estava alheia a passagem dos anos.
Ficava ali, o tempo ia, a vida ia.
Seu sono ia, e ela acordava cheia de si.
Naquela tarde vazia, enquanto tudo mudava, ela dormia.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

É o que tem pra hoje.

A bem dizer, esse não é um reclame.
Nada que maldiga ou macule a cor dos seus cabelos.
Nada que não diga respeito a uma segunda-feira chuvosa.
A esperança escorrendo bueiro abaixo.
A temperança subindo fumaça acima.
Nada que você nunca tenha ouvido falar.

Merda de cachorro na calçada,
Perua no celular, uma mente quadrada,
óculos oval cobrindo metade da cara,
De pau.

Pedras palavras.
Um tapa de luva,
Cabelo escovinha,
Desmonta na chuva.

Aumenta o volume,
Maltrata meus tímpanos.
Já é de costume,
Come, consome,
Depois fica vazia e some.

Alguém acode o humor.
Atropelado em cima da faixa,
Mutilado pela pressa.

Pese comigo: quanto custa um quilo de bom senso?
Quanto tempo pra você mudar de tom?
Michel Jackson não agüentou,
Mudou de cor.

Não é um reclame,
Se for falso testemunho, nem levante.
Permaneça.

Continuo a andar pelo passeio.
Sigo sozinho.
É pau, é pedra, mas não é o fim do caminho.