terça-feira, 24 de maio de 2011

Assassinos


Eu realmente não sei se algum de vocês está interessado em saber da minha vida, ou quais são minhas impressões acerca disso ou daquilo outro. Ocorre que eu sou um tipo agoniado, daquele que quase não pensa antes de falar.

“Isso ainda vai te causar muita dor”, me disseram algumas vezes. Falam como se eu não soubesse. Com todo respeito, a dor vai ser minha ou sua?
Desculpe começar assim. Acontece que sou do tipo que gosta de interpelar, polemizar, tirar as pessoas das suas zonas de conforto. Se você ainda está aqui, depois de um inicio tão rude, é porque surtiu efeito, e você quer mesmo saber o que esse cara de palavreado tão valente tem a dizer. 
Então chega mais pra cá. Posso oferecer alguma coisa, um cafezinho?
Puxa a cadeira ai e fica a vontade. Esse imbróglio inicial foi só pra espantar os preguiçosos. Eles me tiram do sério! Com suas pinças em punho são implacáveis. Homicidas em série da literatura. Depiladores das palavras que agem sorrateiramente. Sob o álibi de estarem em um momento vulnerável, cometem absurdos.
Estou falando dos leitores-citadores. Aquele cidadão ou cidadã que se apropria das palavras de um autor, pra fazer lobby, charme, pose. Sem entender ao menos o contexto sob o qual aquela obra foi erguida, abrem aspas a seu bel-prazer. Decapitam o amor, tiram sarro da saudade, invadem a solidão alheia sem o menor pudor.
Se suspeitam que é amor, Vinicius de Moraes. Se parecem volúveis, Clarice Linspector. Dúvidas no relacionamento, Carpinejar. Algo mais cru, Caio Fernando. Mais bem passado, Fernando Pessoa. Por ai vão. E sabe o que é pior? Não adianta, eles nunca vão mergulhar mais fundo. O sentimento deles é raso. O que citaram ontem com palavras de outrem, hoje, não faz sentido algum. Eles nem lembram. Sentem tudo de maneira rasteira e confusa. Fazendo chacota de quem realmente os sentiu.
Senhores (as), antes de citar alguém, mais do que abrir aspas, procurem saber de onde aquele trecho foi extraído. Não saiam por ai elegendo pontos finais ou reticências no pensamento alheio. 
Um escritor sentado de frente para uma folha em branco, é como Deus no instante anterior à criação. O que vem depois é o que te cabe sentir e apreciar com toda a intensidade.
Um texto, por menor que ele seja, é como tudo no mundo. Cada sílaba que está lá tem uma razão para existir. Tirar um pedaço dele, sem ter seu consentimento, é mata-lo aos poucos. Para ganhar o privilégio de levar parte qualquer, é necessário se fazer íntimo, chegar mais perto. Debruçar o som de cada palavra sobre a língua. É preciso sentir o gosto e não apenas gostar.
Ainda ontem, por pura curiosidade ou pressentimento, coloquei um trecho de um texto meu no Google. Para minha (in) grata surpresa, além de aparecer no meu blog, onde de fato deveria estar, descobri que ele havia se espalhado (que bom que eu escrevi algo e angariei mais leitores por ai, é uma honra), porém, tinha sido destroçado. Com direito a grifo do assassino em baixo de cada estrofe ficou fácil descobrir o gatuno. Não precisei nem lançar mão das minhas técnicas investigativas que tenho aprendido com “The Mentalist”, que saco!
Vocês devem estar se perguntando onde estava o texto, correto? 
Bom. Era um Tumblr (espécie de blog, diário on line ou coisa que o valha) de uma garota típica dessa geração “Y”. Não sabe quem é, pra onde vai, nem o que quer. Pior, não sabe diferenciar o que de fato sente ou o que está na moda sentir. Uma pena, tão bonitinha e bem intencionada, que se eu estivesse disposto a caridades até tentaria um grito de alerta. Mas não foi o caso. Fechei a página dela, que por sinal era grotesca, e fui embora da rede.
O que me sobrou foi essa raiva com a qual iniciei o texto. Mas que logo passou. Recebi tanta resposta positiva por esse mesmo texto, que me achei um turrão de marca maior, ingrato demais. Achando que esse egoísmo não combina comigo resolvi relevar.
Afinal, quem sou eu pra dizer o que se deve fazer da literatura?
Ela é algo que transcende qualquer entendimento ou julgamento. Bem maior que eu, por exemplo, que sou apenas um aspirante a escritor.
Por isso, em resumo da minha insignificância, gostaria de agradecer a paciência, a presença e a leitura de cada um. Juro que o próximo texto vem repleto de bom humor. No entanto, não vou voltar atrás do que falei, nem ignorar minha inspiração. Ofereço minhas sinceras desculpas. Aceita mais um café?







segunda-feira, 23 de maio de 2011

Soro caseiro


Não me impressiona o quão rápido passou o ano. 
Como o tempo agora urge. 
Se o caminho é longe e a estrada a fora é muro. 
Se tenho pernas longas e às vezes dou passos pequenos.

É inevitável.
O que me intriga é a entrega do corpo, a morosidade das células, o desleixo da melanina nos cabelos. 
A voz cansada das pupilas. 
O encurvamento da coluna diante da cumplicidade dos órgãos. 
O réquiem dos pulmões: uma sinfonia caduca, com tubas e violinos desesperados.
Envelhecer.
Como pode ser cruel assistir a passagem dos anos. 
Como pode ser banal comemorar a passagem dos anos. 
Da próxima vez, na noite de réveillon, não vou pular sete ondas. 
Nem me convencer de que agora é janeiro. 
Vou beber água do mar, cheirar a maresia, me impregnar do sal da vida.
O agora é aqui, esse grande instante. 
É a areia que abraça o pé, o vento que transtorna as palhas de coqueiro. É o que não se diz em fila do SUS. 
Hipocondria de júbilo e gozo. 
Vida sem prescrição ou fórmula. 
Posologia fora do lugar.
Vou fazer assim; 
que é pra ver se eu não envelheço, não espero, não paro. 
Não sinto perdão, não me compadeço. 
Nem pago salário ao relógio: pobre diabo, tic-tac gratuito!

quinta-feira, 19 de maio de 2011

És cara velho

É preciso caminhar torto,
O que endireita a estrada é o pé.
A fé enfeita a alma,
E o que alimenta a paz é o corpo.
Do vinho, que foi uva no cacho,
Espera-se envelhecer para ficar saboroso.
Quando olhares o rio, lembre-se que ele já foi riacho,
E que todo poder emana do povo,
E que quando o povo tem poder,
Diacho!
O velho desatina querendo fingir que é novo.

És cara velha

Sem saber que a pressa era,
Por destino e por si só,
aquela que não espera,
Calçou os sapatos, cansada.
O couro desbotava o tempo,
O cadarço carecia de um nó.
Agora que estava só,
Queria, teimosa, ser aquela,
mas alguma coisa no vento,
Algo na brisa revela,
Depois que tudo passou,
Era ela.
Mas daquela, o que sobrou?

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Livro


Devo ter um dom.
É, tomara mesmo que seja um dom.
Essa coisa de juntar palavras há de emocionar alguém.
Essa busca incansável de traduzir-se pode um dia me recompensar.
Me transformar em livro.
Em prosa boa de ouvir, em conversa de pé de ouvido.
Eles hão de me colocar numa estante.
Sim, o tempo há de vestir-me em capa dura.
Com direito a um prefácio e status na orelha.
Tinta preta em folhas amarelas.
Um universo de mim, onde eu não me reconheça,
e experimente um pouco do não ser.
Vou distinguir cada um que viveu aqui,
Para só então me conhecer.
E uma vez estando lá, do lado de fora de mim,
Eu possa enfim, gritar:
Abram aspas que eu quero passar!


terça-feira, 10 de maio de 2011

Eu vou guardar você.

Aracaju, 05/04/2011

Eu vou guardar você.


Mas não em uma caixa ou enrolada num papel. Essas coisas acabam envelhecendo com o tempo e você não merece o mofo e a poeira. Também não te cai bem o cheiro de naftalina, afinal, você sempre foi tão cheirosa.
Eu vou te guardar e não me resta alternativa. Porque, de um jeito ou de outro, você estará sempre comigo. Porque hoje sou melhor que ontem e essa é a minha forma de te agradecer por me acompanhar num momento tão decisivo da minha vida.


Eu vou te guardar.


Lá na casa das boas lembranças tem um quarto só seu. Limpo, arejado. Onde você vai poder acender aqueles incensos que gosta tanto, ouvir música alta, ver seriados e desenhos felizes na TV. Vai poder encher de badulaques e de coisinhas lindinhas que você achar por ai. E você vai ser vizinha de pessoas preciosas, verdadeiros tesouros. Tenho certeza que vai te fazer bem.


Ah, eu devo te visitar de vez em quando. Pois sempre haverá uma cidade, uma música, um cheiro, uma expressão facial de algum desconhecido, uma comida ou coisa pequena qualquer que vai me fazer lembrar você. Nessa hora, vou te mandar todas as vibrações do meu melhor sorriso, pois só assim você pode permanecer viva nesse lugar.


Eu vou guardar você, talvez por que nossa brincadeira tenha acabado no meio. Porque eu moro longe e ia demorar pra a gente se ver de novo. Eu sei. Ninguém gosta de brincar com alguém que se demora a voltar. O entusiasmo não espera. Sempre tem uma estripulia nova, você sempre descobre um lugar melhor para o pic-esconde, um penteado novo para sua boneca ou uma tática mirabolante pra matar o “chefão” no videogame. E quando isso acontece você precisa ter alguém pra compartilhar não é? Eu sei, eu senti isso também.


Eu vou te guardar, pelo abraço que eu não dei, pelas mil coisas que eu disse e outras milhões que eu tinha a dizer. Por causa daquele São João, daquela vontade de apertar, daquele grude. Por você ter me tirado de lá e me mostrado de novo o mundo. Por todos os dias e noites em que tive o seu bem-querer. Pela compreensão, coragem, confiança, companheirismo e cuidado que você sempre dedicou a mim.


Vou te guardar pelo simples fato de que nunca quis te jogar fora, te arrancar algum pedaço. Todo meu esforço era, e é, para te preservar assim, bem do jeito que eu aprendi a admirar, que ainda admiro e devo continuar admirando. Pessoas como você têm luz própria e chama viva.


Vou te guardar, pois o acaso ou destino ou sorte ou maktub, (seja lá como for o nome disso), pode de novo nos colocar de frente. Em qualquer tempo, lugar ou circunstância. Da maneira mais displicente, como uma criança derruba um copo ou da mais proposital, como chuva que cai para molhar a terra e acordar a semente. Você conhece a força dos encontros, se ela quiser não tem jeito.


Dai então, se ou quando estivermos lá, posso te preparar um Penne à Carbonara, acompanhado de um bom vinho. Eu sei que você não é de beber, mas vai que esteja frio? Nunca se sabe. E enquanto a cebola doura no calor do azeite, vou te contando como eu vivi e tudo que aconteceu comigo. Pra te atualizar, apertar um F5, sabe? 


Você me conhece, sou de andar por ai farejando coisa nova, revirando coisa velha, tentando transformar tudo e todos e a mim mesmo em energia boa e em palavras. É bom que você saiba da missa um terço.


Talvez eu não ronque tanto, não tenha mais aquela “bolinha” na perna. Eu tenha tido um filho e ido morar na Espanha. Lembra que eu te falava em ir pra Espanha? Talvez também, eu ainda seja um príncipe, que continuaria a te chamar de minha “Pincesa”. Assim mesmo, engolindo o “r”. Na ocasião, pedi licença ao Português e te dei um título privilegiado na minha realeza. Ou eu ainda fosse muito desleixado para algumas coisas e turrão demais em outras, mas ainda flexível na maioria das vezes.


E talvez você também queira me contar sobre você e eu queira saber. Ou nem eu, nem você queira saber de nada. Pode ser apenas um olhar.


De qualquer jeito que seja, o que me importa é fazer com que você entenda. Entenda que eu guardei você aqui pra um dia te mostrar a você mesma.  Pra que você saiba que o que cultivou ainda vive e frutifica aqui. Pois assim como na natureza, dentro de mim, algumas coisas permanecem e outras se transformam.


Mas o amor, essencialmente, só pode gerar amor. Seja ele de amante ou de amigo, seja ele o que for. E mais ainda pra te dizer, mesmo que você não tenha querido saber, que tudo que foi bom, anda e sempre andará comigo.


Dito isto, desejo que você seja bem-vinda à sua nova casa. E agora que você está bem guardada nesse lugar especial, devo preparar a mim, pois a vida me exige estar em boa forma. E além do mais, porque a gente guarda o brinquedo, mas a brincadeira não acaba.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Durmo, mas continuo vivo. Morro, mas não desligo.



Comecei o dia com sugestões:


Marco recomendou. Tomei uma pílula e percebi que dormir é melhor, mas dormir também é viver. Só que viver, para muitos, tem sido um martírio. Conseguir dormir, para outros tantos, é uma luta diária. Esses também tomam pílulas, só que daquelas de tarja preta. Tarja preta não dá lugar aos sonhos, ela te desliga. Desligar, isso sim é morrer. Mas a dúvida talvez seja: em que ou em quem se ligar? Não sei, apenas peço que não se desliguem.


Morrer pode ser uma solução:


Morte. Aliás, não se fala de outra coisa nos jornais. Morreu, morreu, Bin Laden morreu. Talvez. Mas agora, depois de morto, pode ser que ele se sinta mais vivo. Quem sabe lá, onde jorra leite e mel e as virgens o esperam, ele viva alto, senhor de si; sem ser incomodado pelo terrorismo de ter que viver aqui.


Sonhar, isso sim é que é bom:


E sonhar acordado é despertar para a vida. Isso é o que sugere Waking Life, filme (que me inspirou, marcou e me rendeu até apelido), cujo significado muda cada vez que tento entendê-lo. A vida e os sonhos também são assim: toda vez que você tenta entender, tudo muda, revira, volta, sobe e desce e escorrega.
A aflição do mundo é o não entender das coisas. Impressiono-me como todos têm um pouco de cientista e enchem a cabeça de Porquês.  Querem provas, estatísticas, números que expliquem a causa ou o efeito de tudo, inclusive da nossa existência.


Seria Deus um número exato ou apenas um fator?


Se sabe que Pi é 3,14159265, somos 6,5 bilhões e a cada cinco de nós um é chinês, o terremoto que atingiu o Japão chegou a 8,9 pontos na escala Richter; a cabeça do Bin Laden valia 25 milhões de dólares e a sua morte aumentou a popularidade do Obama em 8%. Há 350 anos um príncipe não casava com uma plebeia. Ele era o número um na lista de procurados e eu sou o 08773154-18 no registro geral de pessoas, moro no número 115, CEP- 49020-030, caso queiram me achar. 
Mas, o que esses números te dizem meu caro (a)? Você se sente mais vivo ao lê-los? É possível viver de números? Quantos sonhos você tem?
Divaguei. E toda essa divagação me fez lembrar Rubem Braga, que em uma de suas tiradas fantásticas, afirma: “a vida só pode ser tolerável quando um número não incomoda outro, mas o respeita dentro do limite dos seus algarismos”. Em bom baianês: “cada quem, no seu cada quem”. Entendeu?
Isso pode funcionar com os números, mas com pessoas é diferente. Assim como Rubem na sua crônica, eu peço que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo. Um com menos números e mais gente. Gente de verdade, que não se furte ao direito de dançar e celebrar a vida; que não deixe de sonhar, dormindo ou acordada. Que morra e renasça em si. Que conheça o vizinho pelo nome e que tolere a diferença. Gente diferente e que se respeita.
Talvez tenha sido por isso que Bin Laden, embriagado pelas suas próprias verdades, tenha lutado também. Talvez seja esse o recado que ele quis passar com tantas explosões. “Não, não nos tratem como números ou moeda de troca. Não invadam nosso país travestidos de heróis. Não roubem, nem massacrem nosso povo. Nossos números são nossos números. Nosso Deus é nosso Deus. Nossos sonhos são nossos sonhos. Nossa vida é nossa vida. E, para nós, o melhor momento da vida é morrer, essa é nossa escolha”.


“Cada quem no seu cada quem” é uma insinuação. Mas “cada quem”, vivendo e sonhando em comunhão pode ser melhor.
Na minha sugestão, bom é o que existe entre nascer e morrer. Gozar dos ínterins é o que nos cabe. Da vida, quero mesmo a vida, e da morte a morte.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Tem dó

E tudo que chega ou que vai é bom por algum motivo.
Falo de coisas, pessoas, problemas.
Da porta aberta para quem chega.
Porta da rua, porta da rua.
Falo de vãs, de sãs filosofias.
Uma nova via.
É primavera, dá pra ver.
Uma primavera qualquer,
 e as flores invadem minha janela.
Ouço no rádio: é sol maior.
“Tem dó pequenininha, tem dó”.
De mim, de ti.
Não sofra assim, ainda temos amanhã,
 Para amar e só.