terça-feira, 27 de maio de 2014

Poema de outrora


Parar, incólume, diante do mistério

e sentir calar sobre mim as madrugadas mornas da minha terra


no labirinto sem fim das horas passadas

colher frutas e sonhos nos quintais das casas

deitar, por sobre a grama da memória,

meu corpo febril e minha alma nova

e ver descer sobre mim o céu sem tamanho


o peito transborda


que eu posso querer de mim

diante da vida imensa

da velocidade da luz

da cegueira perene

da alegria fugaz ?


que posso eu, nu por detrás desses versos

rei no domínio de coisa alguma

ou quase tudo

que for afago ou prece

que traga compaixão e humanidade;


que posso eu

que não sei ser o que mereço

e que quando tenho sido esse

mal me pareço

e esqueço de ser qualquer coisa

que seja isso

ou aquilo

ou nada


?

quinta-feira, 22 de maio de 2014

D´alpendre

não eram as coisas da casa,
não eram
era a vida inteira adormecida no chão da sala
pedaços de nós encalacrados na trama do tapete persa
farelos da nossa pele na poeira que dança
e no reboco das paredes do quarto

estava tudo ali
ou não estava

não, não eram as coisas da casa

era o verso, era o teto, era o gozo embargado,
era a poesia trancada no armário da sala
junto à prataria que não foi usada
nem nunca será

o coração do poeta dura
e desagua no verbo

do que me importa o que grita
o que escandaliza
o que extravasa
se o que me mata é o não dito
o não feito

é a brisa, não o vento.