segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Devaneio

Ficava ali, e ali nada fazia ou guardava.
Tinha o amor a tiracolo, e uma saudade fatigada.
Nada queria, e seu olho aguava uma lágrima convertida.
Não entendia porque trocava seu trabalho por coisas, e estas por outras mais.
Tinha o coração apressado, e uma faca entre os dentes.
A tarde rangia atrás das cortinas, e fenecia
estendida no horizonte vadio de bochechas ora rosas, ora violetas.
Preferia amar de longe e inflar suas velas em mares tranqüilos.
Carregava consigo um vaso com água salgada, que bebia para acordar um dragão há muito adormecido em sua barriga.
Pintava os olhos e as unhas com um rosa tímido. Queria ainda ser menina. Mas tinha vida nova no ventre, e a responsabilidade já lhe esmagava a cabeça.
Ficava ali, e ali nada entendia. O musgo das paredes. A sala vazia. A poeira refletida na luz do sol. Um livro de Dostoiévisk na estante. O desespero constante.
Ficava ali, querendo esconder-se do mundo e criar uma estranha realidade.
Esforçava-se em por pra fora as velhas ideias dos sermões na igreja.
Sua pele permanecia incólume, estava alheia a passagem dos anos.
Ficava ali, o tempo ia, a vida ia.
Seu sono ia, e ela acordava cheia de si.
Naquela tarde vazia, enquanto tudo mudava, ela dormia.

Nenhum comentário: