sexta-feira, 15 de julho de 2011

Mini ficção I


Ela era uma sergipana do interior. Olhos claros, cabelos anelados e fartos. De uma beleza sutil, foi por muitas vezes ignorada por aqueles de olhar mais distraído. Aprendera desde cedo os afazeres domésticos e apesar do pouco estudo, era safa. Tragava as ideias que pairavam no ar esfumaçado da biblioteca após as reuniões dos homens e enchia os pulmões. Foi criada com os irmãos, homens e mais velhos. Não cabe aqui discorrer sobre cada um deles, o importante é saber que o mais abastado estava de partida para a Bahia. Naquela época dizia-se da boa terra o que hoje se diz de São Paulo: o futuro mudou-se pra lá. Ela tomou conhecimento dessa notícia pelas frestas da porta. Não que gostasse de espiar a vida alheia, mas ouvir os homens e seus assuntos importantes era sua pedagogia.

De coração agoniado e correndo para esconder-se de todos, foi para os fundos da casa. (Eu nunca escutei nada a respeito, e talvez seja coisa de um narrador que fantasia, mas desconfio que algo mais se escondia lá naqueles fundos). Ela tinha certeza.

- “Talvez ele me leve”. “Talvez ele me leve”. Essa passou a ser sua prece.

De joelhos e cabeça baixa em frente a uma parede enegrecida pela fumaça do carvão e ornada por teias de aranha dignas de um filme de terror, ela pedia. Isso, de fazer sua oração nesse quarto abandonado e de paredes queimadas, não tinha para mim, mero observador, nenhum motivo aparente. Mas em verdade vos digo, era um pedido dotado de uma intensidade colorida e da sua cabeça emanava uma aura clara. Eram palavras ditas em pensamento, embora pudessem ser ensurdecedoras em certos momentos de audição.
Os dias passavam rápidos entre as conversas na biblioteca e suas fugas para o fundo da casa. Sem muita escolha e ansiosa para encontrar o seu futuro, ela imaginava a Bahia. Via ondas do mar na espuma do sabão e se distraía ao perceber sua imagem refletida no espelho d´agua do riacho que corria margeando a casa. Era menina? Era mulher? Admirava a força dos crioulos carregando sacos de peso abissal e a beleza de outros crioulos tocando tambores, enquanto moças igualmente negras e de turbante, dançavam em passos ritmados. Todos suados, brilhando sob o sol escaldante, exibiam seus dentes brancos num sorriso capaz de alegrar o mundo. Talvez fosse aquilo o carnaval. Talvez a felicidade fosse negra, de sorriso largo e branco. “Talvez ele me leve”. Ela sonhava.

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