terça-feira, 9 de setembro de 2014


mas era a vida a te chamar,
com sua voz severa e doce,
do outro lado da rua

e era te deixar ir
sobre os mesmos passos pelos quais chegaste
com os mesmos sapatos que pisaste o chão inexplorado
de minha poesia

mas era a vida a gritar teu nome
logo ela,
que te dá a beleza da preguiça,
quis urgência

bandida

Era te deixar ir,
porque tua chegada foi a minha volta
e a tua partida a minha ida
pra essa vida infinda
que nos dá
com a mesma mão que nos tira

sabida

era a vida a te chamar,
a fazer birra,
a deitar no chão esperneando

era a vida derramando à esmo
as responsabilidades e os sonhos


era a vida gritando pra ti:
acorda!

enquanto cantava para o meu sono

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Saudade é nadar e,
na beira do mar,

nada

segunda-feira, 4 de agosto de 2014


eu fui embora de dentro do tempo
pra ser passarinho sem hora
voando sempre
e alto
e ao sabor do vento

com sede eterna de aurora
E era beber-te na água escondida
plácida e esquecida no fundo do pote
era minha boca tremendo ao teu barro frio
e a minha sede nova na tua boca
embriagava

era beber-te em grandes doses
sorvendo lenta a magnitude que há em ti
e sendo tu e tu em cada gole
e cada gole fazendo de mim coisa tua
que se dissolve

e era delirar-te na música implícita
mais do que implícita, sua
mais do que sua, glória

era delirar-te chegando perto
tão perto que já não podia tocar-te
pois éramos já uma coisa só
de dimensão
arte


sexta-feira, 27 de junho de 2014


Os poemas que eu não escrevi sempre me encontram quando eu te vejo.
Se fecho os olhos, esqueço.

Acho que a poesia é você.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Poema de outrora


Parar, incólume, diante do mistério

e sentir calar sobre mim as madrugadas mornas da minha terra


no labirinto sem fim das horas passadas

colher frutas e sonhos nos quintais das casas

deitar, por sobre a grama da memória,

meu corpo febril e minha alma nova

e ver descer sobre mim o céu sem tamanho


o peito transborda


que eu posso querer de mim

diante da vida imensa

da velocidade da luz

da cegueira perene

da alegria fugaz ?


que posso eu, nu por detrás desses versos

rei no domínio de coisa alguma

ou quase tudo

que for afago ou prece

que traga compaixão e humanidade;


que posso eu

que não sei ser o que mereço

e que quando tenho sido esse

mal me pareço

e esqueço de ser qualquer coisa

que seja isso

ou aquilo

ou nada


?

quinta-feira, 22 de maio de 2014

D´alpendre

não eram as coisas da casa,
não eram
era a vida inteira adormecida no chão da sala
pedaços de nós encalacrados na trama do tapete persa
farelos da nossa pele na poeira que dança
e no reboco das paredes do quarto

estava tudo ali
ou não estava

não, não eram as coisas da casa

era o verso, era o teto, era o gozo embargado,
era a poesia trancada no armário da sala
junto à prataria que não foi usada
nem nunca será

o coração do poeta dura
e desagua no verbo

do que me importa o que grita
o que escandaliza
o que extravasa
se o que me mata é o não dito
o não feito

é a brisa, não o vento.



terça-feira, 29 de abril de 2014

Não era seu.
Era céu.
Não chorei.
Chovi.

sábado, 5 de abril de 2014

Unhas negras

Não terminou.
Nada termina.
amar, noves fora a vida,
é ato contínuo.

É um passo à frente
no horizonte que se esconde
um grão a mais
na fuligem do tempo que expande
e se queda lento.

Não parou.
Nada está parado.
Até a rocha, inerte, se entrega.
Ora ao vento, ora à chuva.
Até a rocha, veja você, sabe perder
para não estar só.


Minhas mãos revolvem a terra
e tocam teu rosto.
Tua pele alva e minhas unhas negras.
Minhas unhas negras e a tua voz calma,
e a música lenta que vem de longe.

Minhas unhas negras, afinal, riscam a tua cara.
Revelando teus sulcos e as tuas cicatrizes,
pintando teu suor e as tuas vergonhas.

O vento esculpe o teu cabelo, artesão de nascença,
e esfria o chão sob os teus pés,
e segue uivando por entre as frestas da porta entreaberta
por onde saí.
A casa está vazia.

Não acabou.
Nada está realmente acabado.
a vida, noves fora o amor,
é uma faísca que se solta
e rompe com a escuridão da noite
queima, arde, se apaga.

O dia nasce amarelo-roxeado aqui da minha janela.
Sinto a ferrugem e a maresia;
cheiro o orvalho e a flor de amendoeira.
As primeiras horas da manhã são minhas.
Vista daqui de cima a rotina
quase não mata, alivia.

E o  que se disse terminado,
parado, acabado.
E o que se disse do amor e da rocha,
da tua pele clara e das minhas unhas negras, se cala.
Só para ouvir passar o vento.


segunda-feira, 31 de março de 2014

A vida se contrai

A vida se expande

A vida nada mais

que um passo errante

um beijo fugaz

na noite dos amantes