Certos dias,
quantos mais?
Quantos dias
de chuva ainda hei de estar sob ela
ainda hei de
esperar o vento que seque e guarde- a
quantas
coisas imprevisíveis acontecerão nas ruas de paralelepípedos
debaixo do
calor implacável da zona de transição
quando é
caatinga cinquenta quilômetros depois?
ainda me
espera voltar, a rua nova onde sempre morei
aquele
sobrado sobre a loja de som
vendo o meu
time ser campeão
um resto de
febre, um naco de gripe
que tempo
estranho esse de hoje
quando se
corre corre e não se sabe para onde
que evolução
controversa perversão dissimulada
quando se
olha por sobre os óculos para além das lentes de aumento
Quanto
tempo?
Ainda nos
resta muita coisa,
escondida, mascarada, maquiada em frente a espelhos quebrados
são retalhos
de mim que agora escrevo
que nada
o meu medo é
não conseguir dizer tudo que me engasga a garganta
para
escrever é preciso coragem
peito aberto,
morro ao longe, neblina da manhã
quantos dias
nasceram em postos de gasolina
quantos dias
morrerão em vão na espera
a beleza que espera a menina que espera
a morte que espreita
morto,
morre, morte
mata,
sorte,
equívoco
Serena noite
que me toma
que me leva
de volta à cidade
ainda há o
que fazer em Rio Novo?
muitos se
perderam
hoje estão a
falar de longe
como era bom
quando eu era menino
o rio era
limpo e o cheiro era bom
tá vendo
aquele areião, não existia
aqui era
fundo e a água era clara
o rio não dá
conta da contradição que espalha
não sei de
que matéria é feita a lembrança
só sei que é
doce inventar aquele tempo
O futuro não
espera.
Dinheiro,
coisas, dinheiro nada
trabalho
nada, coisas nada, dinheiro tudo
felicidade,
coisas, cartão de crédito
redes
sociais, coisas, coisas
alma não,
arma não
e o amor
tornou-se
virtual banal
Olhe a constelação,
Marte está mais próximo vamos morar lá
esse lugar
que foi tão lindo já não nos serve mais
como somos
indignos!
Vamos pra
lá, montamos um partido político
com uma
ideia nova sem nenhum vestígio de quem éramos aqui
o planeta
vermelho, a ideia vermelha
falhou
Ipiaú, we have a problem
Joga o jogo
sinuca de
virote
cigarro
barato no queixo do outro
nossa, que
cheiro
que dor no
peito
me leva pra
casa, mas casa não há
me leva pra
escola
pruma aula
de História sobre Roma
um império
cai, outro império levanta
serei
escravo
teu servo
tudo que fui
estará em teu nome
esse é meu
testamento
deixo tudo
pra poesia
todos os
meus erros
que ninguém
nunca cometeu
todos os
meus triunfos
que ninguém
nunca conseguiu
bote tudo
numa gaveta, tranque e jogue a chave fora
a quem
interessa saber do que vivi?
de agora em
diante só me encarrego de contar
Certos dias,
quantos mais?
Quantos dias
de sol eu hei de estar sob ele
esperando
que me queime
que me dê vitamina
D
na Rua Jaldo
Reis não se ouve música
na avenida
São Salvador só existe súplica
pobre corpo
brasileiro, baiano, ipiauense
pobre crente
sem igreja, sem dízimo, sem prece
só meu Deus
que nessa hora se compadece
por mais que
ainda existam amigos e lembranças
e sejam
tantas as esperanças de se ver de novo
por mais que
seja de manhã
não dá mais
para fazer alvoroço
a alvorada
não é mais do povo
Descendo e
subindo o morro da lua
pra tomar
vinho barato, tocar violão e conquistar o mundo
sempre quis
ser vagabundo
beber de
gole todo líquido que há em tudo
sugar,
sentir, gozar, trepar sem camisinha, carregar o piano
quantos
planos
o menino do carro
de mão pede dois reais
o cacho de
banana é um e cinquenta
biscoito
avoador, um taco de requeijão
Arre coração
sonhador!
êta paixão
desenfreada!
Vamos comer
água na praça
ver as
meninas saírem da missa
ficamos
parados enquanto elas rodam em círculos
que chato,
voltemos para o início
vamos lá pra
cima
pra casa de
Guto
é tudo nosso
da Icapp pra lá
a gente sobe
e desce dos muros
pisa fundo, vai fundo em tudo
e fica lá
até o despertar do mundo
que absurdo
não poder estar lá agora
lá no fundo,
vendo o rio passar por entre as folhas da goiabeira
entre um e
outro
e uma conversa maneira
Eu não esqueci
aquela paz
o que ela me
trouxe e agora me traz
Dar-te-ei
meu coração num dia de domingo
Azul, como
deveriam ser todos os domingos
pega ele pra
ti, a mim já não me serve
já passei
por aqui muitas vezes
pisei,
deixei que pisassem, agora é seu
faz dele o
que te cabe
coração na
mão
aguenta
amor, amar e
mais nada
Tudo isso
que eu tenho dito não bastou
não me
trouxe calma
é essa
agonia que levo aonde eu vou
sou isso que
agora escrevo
ou invento
que escrevo sobre o que sou?
Já não sei
mais mentir
perdi a
medida da dor na esquina que não virei
é meio dia,
em algum lugar nasceu uma flor
devo correr,
o almoço está na mesa
exato, igual,
reconfortante
pouco se falava
enquanto comíamos
o suco bom
era de laranja o de jenipapo eu não queria
nossos
lugares marcados nas cadeiras de sucupira continuam lá
ainda ouço
algum lamento vindo do outro lado da rua
ainda somos
nós
estamos
juntos, mesmos gastos e corroídos pelos anos que passam
pelas horas
que escorrem por entre as mãos de pele fina de minha Vó
não existe
razão lógica em deixar pra trás o que se gosta
não há nada
novo a se buscar
não há
maravilha qualquer que não esteja dentro de si
tenho crença
profunda nas coisas que me mantém vivo
O que sou eu
para além desses muros altos?
senão o
cheiro de curral e leite matutino
senão a
sombra da jaqueira que se fazia de monstro
o que sou eu
senão a arreata rompida e o coice da mula
a farinha no
tacho e a tropa a carregar riqueza nos panacuns
essa corrida
que me empenha não é nada além de uma caçada
corro tanto, pra depois me encontrar e morrer em cada bala atirada
o que sou eu
senão um emaranhado louco de tudo que eu vi e sonhei, e larguei?
exceto o que
eu não quis ser, todo o resto me compõe
posso não ser
nada, mas tenho a meu favor tudo aquilo que eu ainda não sou
Vamos juntos
não importa pra onde
vamos
caminhar descalços sobre brasas se brasas houver
ou sobre a
areia da praia se praia houver lá em Marte
com sorte
teremos água e vida extra Terra
é muito
sofrido pensar que tanta coisa se foi
quartos,
alpendres, caldeirões, quintais com canas plantadas
quantas
horas ganhamos catando cajás e seriguelas?
As coisas
que aprendi olhando do alto do fruta-pão...
É sexta,
dia de
pagamento, de acalmar a dor nos botecos
traz o
kitute e uma banda limão
traz uma
pinga e alguma razão pra continuar aqui
pra essa
minha teimosia de querer ser aquilo que eu sempre quis
daqui não,
de lá vem, é pra lá que eu vou
com fé e
afeto e as mãos fora do bolso
tirar as
teias de aranha, o musgo das paredes e das cabeças dos jovens do meu tempo
quão velhas
são suas ideias ou quão herméticas são as minhas
que não
cabem nesse poema de tão pequenas?
Tenho
aspirações maiores do que minhas pernas
tenho pernas
maiores do que os passos que dou
tenho dado
passos bêbados
ora acerto,
ora desapego, ora bebo de novo
mas continuo
a andar
porque ir e
com que velocidade vou, ainda não sei
as coisas
têm uma dinâmica própria que minha alma não obedece
que meu
coração desconhece e eu sofro
navalha na
carne, sangue no chão
qualquer
desespero é vão quando se tem um Deus
qualquer
batalha é perdida quando não se luta com alma
outro sonho
se vai, outro corpo que cai
me chame pra
festa, me leve pra ver a fanfarra em Salinas da Margarida
me deixe em
qualquer canto da Baía de Camamu e eu serei feliz
um jazz, um
blues do Mississipi, cante a nossa dor
Soul
brother, soul sister, sou
Vamos no
ônibus da Cidade Sol em direção ao litoral
sentar no
fundão, mexer com o povo no caminho, passar por cima de Barra do Rocha
não minha
Vó, aquele tempo não tem volta
o povo
morreu, o rio sujou, o cacau faliu, a cidade parou
essas roupas
já não nos servem mais
não mais esperaremos
à porta o cortejo que não vem
não mais
vamos contar aquelas mesmas histórias
quero te ver
sorrir e pintar de rubro a face alva
e molhar de
água salgada os olhos azuis que deram adeus à catarata
quero te ter
por mais “zil” anos
curtir os
teus reclames, beber o leite que está no fogão me esperando
lasanha ou
feijoada aos domingos e Nelson Gonçalves no rádio
que bom é
beber nostalgia, cagar ao ar livre e mijar da cara do dia
que bom é
ter pra onde voltar depois da labuta, depois de findada a luta
depois de
correr o mundo e ver quão grande é tudo
mas que o
que te faz feliz é o pouco que você cultivou
é a cidade
que te criou e te lançou pelo seu arco
vai voar a
tua própria maneira
vai
experimentar o fruto proibido
inventar
mais um pecado inventado
morrer de
amor pela primeira menina, morrer de dor na primeira perda, morrer de prazer no
primeiro orgasmo
Coisas
organolépticas, coisas padrão, pessoas padrão
leis que
regem, leis que ferem, leis que não sei, por isso ignoro
a minha lei
é ser eu e participar de tudo
tenho em uma
mão o sal da terra e na outra o sexo dos anjos
tenho os
olhos abertos fitando o mar
a boca de
maresia e líquidos do teu sexo
me dê um
pretexto pra ser seu depois desse pôr-do-sol
só seu e não
querer comer as outras
me dê amor
de um jeito maior, sublime, calmo, que não existe ainda
um amor
possível que me tire daqui e me mostre o que há de belo e imprevisível
o que há de
calmo e pacífico
antes de
tudo virar escombro para uma próxima construção
Tenho
problemas para contar a história da maneira correta como pede o guia de
instruções
não se
demore aqui, caro leitor, se pra você essa conversa está enfadonha
é que talvez
minha vida não seja lá tão interessante quanto a dos grandes homens
mas minhas
pequenas façanhas hão de me levar mais longe do que qualquer biografia
indelével carregada de eufemismos pós-morte
sonho que
tive insônia e acordo cansado para um tempo que nunca dorme
um tempo
como este, igual a outros tantos tempos de outros tantos seres desesperados
para colocar comida ao prato
e estabelecer vínculos e experimentar o mínimo
do que é ser digno em meio a tanta coisa apodrecida, carcomida, fedendo como
carniça implorando a desfaçatez de um perfume
Viaja meu
verbo , viaja
rompe as
amarras do agora e te torna atemporal
vai falar a
mais ouvidos do que todos os ouvidos que há no mundo
do que vale
escrever, se isso o que eu digo não mexer uma vértebra do teu corpo?
se não
invadir o córtex cerebral como um choque, um tiro, um risco, um teco, um trago
no fumo forte e ambíguo
Certos dias,
quantos mais?
Quantos dias
como esse serão dias iguais
iguais a
dias como aqueles em que se esperava a boa nova
e que quando
ela veio no lombo de um jumento não fora reconhecida, dada a humildade de um rei
Levanta-te e
vai!
ergue o teu
corpo que é o teu templo
constrói tua
igreja que é tu mesmo e só assim te encontrarás
procurar nas
coisas concretas o paraíso, o éden, o manancial de águas vivas
é vão
é inútil
pensar que Canaã, Zion, Jerusalém ou qualquer outra terra prometida está nas
coisas que se pode comprar
coração é
terra que ninguém pisa
é ponto de
partida e linha de chegada
coração é
estrada antiga, viagem de carroça
coração é
morada nossa e o paraíso te espera na porta
tive um
pressentimento, como um lapso que rompe a atmosfera da casa
vi, ao olhar
pela janela, um homem cego reaprendendo a andar
de repente
tudo ficou escuro, escuro, escuro
claro,
eu ainda não
cheguei ao fim do túnel
está tudo
quase escuro como naquele dia que quase te beijei
a manhã era
cinza e caía uma chuva fina do sul da Bahia
era quase
setembro e eu já não tinha mais do que reclamar
da vida eu
não sei tudo
e nem que eu
tivesse outras mil vidas como essa,
maior, mas
muito maior do que o meu conhecimento,
ainda seria
minha curiosidade
Não bebe a água do mar garoto, é salgada
não bebe o
mar garoto é muita água
não bebe
nada
e assim deixou
de nascer um pescador
Sou ariano
puro e onde qualquer coisa falta, sobra teimosia
bate cabeça,
bate cabeça, bate cabeça
esse é o meu
mundo
não sou eu
quem diz, é minha testa que anuncia
Bate cabeça,
bate cabeça contra o muro
pegue na minha mão, me leve daqui
vamos pro
mato, pra detrás daquela moita
transformar
nossos corpos num intricado de carne e suor
de modo que
quem observe ao longe só veja um só
ou não veja
nada,
porque o ato
é puro e a luz é pouca
porque o
espírito é livre e a aura é clara
porque é
alma tudo isso que nós somos vistos dali
não faça
nada, deixa assim
deixa
existir a estrada do porvir
deixe
caminhar o homem ao encontro de si
e se tudo
acabar assim,
que belo
seria então o início do fim
Inevitavelmente
fim e só.
2 comentários:
Nostalgia louca, confusão desenfreada...
Rumo? Um tiro no escuro!
nossa...toda essa descrição trôpega me lembrou uma noite quente do Rio Vermelho em q saí meio q a esmo, passando de bar em bar, pista em pista, areia sobre areia, fazendo muitas das coisas impensáveis (e quase impensadas) q vc descreveu. rs. eu até escrevi já sobre isso, mas amenizando o nervosismo e apostando no lirismo. sempre tentando reatar os laços de um texto com outros, rememoro uma frase do meu mais recente, na referência a Virginia Woolf: "Cai em si só chuva fina no feitio de confissão. Ela? Solidão"
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