quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Pedra 90

    Amigo é essa coisa que a gente rega todo dia e cresce.
                           
        E no dia seguinte a gente planta novamente.
                                                     
            E daí cresce e multiplica.


              E daí fica, encosta no peito e protege, joga pro alto e apara, não acaba.
                               
                 Não dá cabo de tanto esperar pra ver de novo.
                                                                               
                    Num amanhecer lá em cima do morro, uma viola encantada toca a música dos nossos sonhos.
                 
                        É essa coisa erguida em sólido alicerce, que não entorta nem cede a qualquer brisa.
                         
                           E imponente nossa arquitetura se ergue.                                          


                              No horizonte onde a manhã esclarece, a nossa vida prossegue plena e iluminada pela amizade deles...

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Palo Alto



Mais do que ouvir o astrônomo instruído como fez Whitman, é preciso entender os sinais que a vida dá, porque sim, eles existem. Não é numa manhã de terça-feira que tudo desaba. Não é numa noite em claro que tudo se desespera. Não. Coisas antecedem coisas, ondas sucedem ondas, na prática relação causa-efeito.
Sabemos o que é música porque antes nos foi permitido apreciar o silêncio. Gostamos da luz, porque antes tememos a escuridão. Uso essa comparação um tanto clichê, pois assim me faço entender de maneira mais clara e pop. Uso antagonismos porque muitas vezes questionei: por que eu? Ou, por que não eu?
Antes de desejar ter outra vida permiti-me conhecer a minha. Agora, toda vez que eu olhar o cara do paletó, no seu carrão com ar-condicionado e pensar: ali vai um cara super satisfeito com a vida dele. Ou olhar um mendigo de rua e pensar: como pode alguém escolher viver assim? Vou lembrar-me da minha vida e dizer: Ufa! Que bom que esse sou eu.
Vou lembrar que tive infância. Que fui bem criado e educado. E que não tive tudo que quis, mas sempre tive o que precisei. Saber que nisso não há nada de conformismo me faz melhor. Há sim entendimento e compreensão. Há a maturidade do arrependimento e o gozo da vitória também. Nisso, há vida em sentido puro, há alma em mutação, há, mais do que nunca, um coração em metamorfose.
Tiro as borboletas do estômago e as levo para os meus jardins. Deixo o brilho para o sol e a brisa pra uma tarde de domingo. Deixo o charme para os manequins, a maquiagem para as pin-ups e a boemia para os botequins. As coisas são o que são, e nada vai mudar isso.
Fico, e finjo que o queria mesmo era ir embora. Abro os olhos dos meus olhos e os ouvidos dos meus ouvidos, como sugere Rubem, o Alves. Tudo agora é som, e toda palavra me diz, toda vida me ensina. Acho pedras divertidas, como Caeiro e tiro as pedras do caminho, como Drummond. Acredito no latim do Carpe Diem e no amor puro de Djavan.
Olho e repouso sob a sombra de uma árvore frondosa e cheia de frutos. Seus galhos e ramificações se encontram, sua seiva alimenta e fortalece o tronco forte da amizade. Nas suas pontas, bem lá no alto, no mais perto da beleza em que posso chegar, vejo:
Cynara, seus sonhos, palavras e raios de sol. Junior, Simone e seus filhotes, são aquilo que eu quero me tornar. Eveline, a irmã de alma que Deus me deu. Gustavo, desde pequenininho, fala ai Dinho! Marcelo, Peu, Gui, Diego, Marcel. Salve o Diego daqui, o Nêgo e a nega Mariana. Salva ai Caio e Pecinho! Marcinha e seus rebentos, que família linda. Xexinha, como é bom ouvir tua voz, sentir tua força e compartilhar de tanta empolgação. Marco e as palavras sábias. Meus colegas da lida diária aqui na Formato e sua compaixão.
Vejo também aqueles para os quais eu nunca vou deixar de gritar: aí sim família! Estamos juntos. Contemplo todos que me amam e cabem nessa crônica. Todos que eu quero bem e não me abandonam. Dadai, que sorte a nossa! Tarik, sem palavras. Muito obrigado sempre.
Vejo de perto e, principalmente, os que são parte de mim. Que me fazem todo dia lembrar quem eu sou, de onde vim e pra onde eu posso sempre voltar. No verso sabiamente cantado por Mano Brown, “Família em primeiro lugar, é o que há”.
Sento e repouso após um dia longo. Eventualmente a brisa chacoalha as folhas, o sol escapa por entre os galhos e esquenta um pedacinho da minha perna esticada. De vez em quando vem um Bem-te-vi, outrora um Papa-capim que canta B.B King. Meus pés escarafuncham a terra, acordando as larvas e as essências silvestres. Lavoura Arcaica é o que me ocorre, como um lapso de vida passada.
Numa moldura solta, pela qual passam nossas histórias, vejo Anike dando-me um banho e me acalmando com panos quentes. Meu Pai sentado à mesa tarda o fim do café. Enquanto minha Mãe canta um louvor na cozinha que reverbera pelo corredor e chega perto do céu. Minha vó Gracil, como a Úrsula de Garcia Marquez, é testemunha. Sua sofrência e o seu clamor à Santa Rita põe velas acesas.
Á minha frente um grande vale escorre por entre as pedras mais altas. O caminho é uma linha riscada em meio ao bailado do capim e da capoeira. Saco do meu alforje minha única arma, que é escudo e também espada. Que é minha bagagem, meu refúgio nas noites de chuva, a lamparina quando a lua não vem; o meu pão, meu corpo e meu vinho. O amor: essa é a minha foice de abrir caminho.
Levanto e me lembro de um dia ter escrito algo assim: sustento-me, carrego um peso sem medida, seguindo o exemplo da Formiga. 
É preciso seguir, na Via Crucis ou na Highway ampla e veloz. No percurso ou no contra fluxo. A Primavera já está, e mais um Verão vem aí. 
Abriu meu sinal. A vida não espera para acontecer. 
Porque eu?! Porque sim...


quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Invenção


Quem inventa o amor, o faz em desvario, e por vezes sofre ao vê-lo mínimo, parco e desbotado.
Quem inventa uma felicidade, desespera-se ao vê-la falsa e sem sabor numa tarde vazia.
Quem inventa um conto, aumenta um ponto, dá nó em pingo de éter e tem o que dizer quando for avô (a).
Quem inventa a si mesmo surpreende-se ao ver-se vistoso e revigorado.
Quem inventa de ser o que não é, sorri ao não reconhecer-se no espelho, mas logo dá com a cara no chão e os burros n´agua.
Quem inventa a dor, frustra-se ao perceber que sua dor é menor que a do outro, e que as do mundo desatinam a doer sem medida.
Quem inventa o dia, um pôr-do-sol lilás, borboletas azuis num voo suave, uma orquídea no meio da mata;
Quem inventa a mata e as árvores frondosas com bichos nas galhas;
Quem inventa a paz, a liberdade, o desapego;
Quem inventa Deus e o Diabo numa terra sem sol;
Quem inventa a paixão, o contrário, a solidão;
Uma praia deserta e a gente deitado nela;
A canção, uma oitava acima de todos nós;
Quem inventa uma nova saída, um lugar para boas ideias;
Quem inventa de ser teimoso e acha o caminho das pedras;
Quem inventa de morrer e passa pro lado de lá;
Quem inventa o mundo, o absurdo de acharmos que somos únicos;
Quem inventa eu, você, outrem, outrora, a hora, agora;  
Quem inventa é sábio. Tem alma de criança e espírito livre.
Porém, quem nada inventa, nada vive.
Quem nada inventa, já morreu. 

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Somos um

Ela:
Nosso amor é esse tal, não grita nem pede esmola, não sente fome porque se sacia naturalmente, é amor de casa, de ouvir mazelas e acalmar o medo. É amor construído com barro batido sobre terra firme. É aquele amor da vitamina de banana, do jeito de cortar o abacaxi pro outro, do cuidado, do pano morno na testa dos dias de enxaqueca. É sutil, é de sussurros, é de verdade.

Ele:
É amor tecido de sutilezas, bem nascido e, por ser assim, complexo. Mas a complexidade está na sua engenharia, na trama forte das nossas ligações, no cingir do dia-a-dia, na tez clara da nossa admiração e na reciprocidade dos sorrisos. Somos partes um do outro e juntos parte de um todo. Esse todo é o que a gente não consegue colocar em palavras, aquilo que se mede pelo brilho dos olhos e pelo peso das lágrimas. Nosso amor é esse tal, que não se explica, esse que pula, pulsa, escorre, transborda. É a nossa arquitetura, nosso altar decorado de orações, nosso zelo. Esse tal amor é o nosso amor, é transcendental.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Vestígios

Esse escrito é de um tempo bom. No frio de Vitória da Conquista nossas palavras viraram música. Na voz de Eveline nos classificamos para  etapa final do Festival de Música da Bahia na concha acústica do TCA. Hoje, continua ecoando no Reggae Music da Ramanaia. 


Pra quem não vê o sol,
E passa as horas a contar história de um tempo que não vai ficar.
A dança das ondas sob a luz do luar
Se desfaz com o vento voltando pro mar.
Tentando encontrar vestígios
De algo que ficou pra trás e que insiste em me acordar.


É impossível não querer, ver nascer o sol
Olhar pra frente e ver,
Achar o meu lugar, achar o meu lugar.
Quero te encontrar em cada olhar pra ver: 
passado e futuro,
Nesse instante a se fundir
Pra me levar bem longe daqui...


Cruzando desertos e mares então eu percebi
Que do meu destino eu não posso fugir.
Tentando encontrar vestígios,
Daquilo que ficou pra trás e nunca mais vai me acordar...


É impossível não querer ver nascer o sol
Olhar pra frente e ver que aqui é meu lugar...
Estou no meu lugar...
Você é meu lugar...

Quero te encontrar em cada olhar, pra ver....




Versão audiovisual: http://www.youtube.com/watch?v=21r-TpiMJYs

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Tupiniquim

Pus fogo no verso.
Fiz a brasa brasileira incendiar minha palavra.
Fiz minha chama tremular no olhar estrangeiro.
E o que eu disser, na minha língua, pode ser de amor ou de mágoa;
Seja por mar ou por terra, é o que vai chegar primeiro.

Pus meu discurso a sambar na boca do povo.
Nos corações, em qualquer que haja batuque, faço assento.
E verso larga prosa para as nossas dores.
E dou à prosa, o amor dos poetas.
E aos poetas a brisa do contentamento.

Sobre os seios da mulata debrucei meu ditado.
E sendo dito como um moleque vadio.
E sendo feito com palavra e pão.
Nasci no mato e me criei nesse chão.
Estou farto do inglês mal falado e do Jazz.
Quero ser batizado num samba-canção.
E do preto velho, sentado, beijar os pés.

Ô moleque ousado, corre solto na rima e dá um drible na métrica.
És um hiato.
Trovador pós-moderno das coisas fugidias.
Côncavo e convexo.
Que se queda perplexo, frente ao absurdo do dia-a-dia.

Neste tempo, embora eu esteja são, é inútil procurar pelo nexo.
Entre a mentira e o fato, não encerro nem principio.
Levo a palavra comigo, e ela vai.
Ser-se-á cantada ou falada, tanto faz.
Ser-se-á lida, quiçá adorada.
Ou morrerá ancorada à beira de um cais, não sei.
A mim, cabe a tarefa de escrever.


quarta-feira, 31 de agosto de 2011

What´s happening?

Agosto parece não querer terminar. Foram cinco fins-de-semana, quartas-feiras pegajosas e dias de frio. Faltou grana e fôlego e sobrou motivo para reclamar. - Quantos dias a mais? Alguém me perguntou. Não saberia dizer, ando meio alheio ao calendário. De acordo com meu celular, hoje é sexta 25 de abril e agora são 6:59 da manhã. Se fosse verdade, estaria oito dias após meus 26 anos, numa ressaca gostosa de Sarau, com hálito de tabaco e vinho tinto. A luminária sobre a louça da mesa de centro ainda daria luz a Fernando Pessoa e Hilda Hilst. Enquanto Anike recitaria Caio Fernando, com versos embriagados e ranger de dentes. Grau, em ré maior, comporia um background. Ainda bêbado da nostalgia, acordei às 4 da manhã. O dia tímido me espreitava lá de fora. Meu teto soltou uns pedaços, quebrei o espelho da porta e o pedaço do dente num pirulito. Atrasei o aluguel, não paguei a conta de água e estou fazendo prece para o gás não acabar. Ainda não sou O Astro, embora precise ir urgente ao dentista. Fiz planos. Falei de São Paulo, Barcelona e Miami. Deixei pedaços do coro da canela no Slackline, pedalei com o pneu em 8 e há uma gripe xexelenta vivendo em simbiose comigo. Meus cabelos transtornados, minhas unhas roídas e uma pá de coisas preguiçosas é o que ainda me sustenta. O café continua forte com pouco açúcar. Eu insisto:  a cafeína me dá sono. Durmo às 10 da noite e acordo às 6:50. Na malha preta da camisa o sol anuncia a severidade do próximo verão. Tenho feito conexões cerebrais e novos caminhos para ir ao trabalho. Minha mãe me conta em viva voz sobre a ressaca do mar que lavou a barraca da frente ao fundo. Fala em tom de tragicomédia da bandalheira política. Ao passo que divago sobre ecoturismo e problemas estruturais, proponho mudanças radicais de cima de um palanque com dedo em riste. Eu nunca seria eleito mãe, mas pode ser que eu queira ser prefeito. Gustavo até já me deu um slogan: “Kaike Mateus Lamoso. O homem do povo”. Para além disso, já tenho a avenida, a banda e o discurso. Só falta a moça na janela para contemplar o absurdo. Vou me sentir burro como a unanimidade. E a morte, que ao tentar dar cabo em Nelson Rodrigues errou três vezes, talvez me leve em sete atos. Na multidão que me assiste, em meio aos rostos conhecidos, vejo uma senhora de cabelo alvo, olhos serenos e sorriso monalisa. A saudade soa tão íntima, embora doa tão desesperadamente. Identifico-me quando os velhos parecem crianças e quando crianças parecem mais velhas. Minha subversão do tempo é quase físico-quântica.  Eu não sou ator, não tenho uma banda e as palavras às vezes me fogem. Continuo vivo e rotineiro. Coloco o sabão em pó de colher e fico vendo a máquina girar. Ando parafraseando a mim mesmo e fecha aspas. Minhas irmãs agora são atrizes e a menor quer sutiã de bojo. Tenho livros no chão do quarto. Talvez eu releia Salinger e viva mais um pouco de Holden Caufield. Anike trouxe Rubem Alves do Rio. E agora que temos o guia, não sei a quem emprestei A Profecia Celestina. Foi para você? Quero um carro, um trago e mais uma dose pra mudar de assunto. Vai entrar setembro. Com essa boa nova tô tranquilo, feito “Easy” na voz de Lionel Ricthie. Recebo beijo de passarinho e visitas no meio da semana. Lembro-me da época em que a vitrola tocava Tina Turner. A change is gonna come, ela dizia. Eu acreditava e acredito. Sim, a mudança está por vir. Ao apartheid musical dei de ombros. Zé tá indo embora pra Itabuna. Eu, estou aqui há quase dois anos. Já não deixo as malas prontas. Mas, por puro impulso, ainda tenho rumo, navio e um porto seguro. Talvez agora eu navegue para o leste. Vai que, do lado de lá do leste, macio e afetuoso, azul mediterrâneo, calmo, calmo, me espere um porto alegre?

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Marinheiro



Bailo calmo e maneiro a dança das ondas
Uma após outra eu abraço e acalmo sobre meu peito
O mar está em mim como estão todas as coisas dentro dele
Estou trazido à tona após um mergulho fundo
Eu, moleque vadio e matreiro
Feito sob lua cheia e maré alta
Eu, Áries que ascende em Aquário
Às uma da manhã de um dia 17, saltava para a vida
Filho primogênito do desafio com a descoberta
Nesse mundo, em que pese ser alguém, estou acima descrito
O resto é alma, calma e romper caminho
Posso lançar mão de poréns, mas não o faço
Navego e abandono padrões e clichês
É peso demais pra carregar e deles eu não sei o que fazer
A fórmula pronta já não me serve
A mim, encanta os porquês
Outra onda sempre vem
Assim é o mar
E o mar sou eu
Minha história, que outrora escrevia em linhas tortas, é nova e renasce com a novidade
Pois é do novo que vem, e é o novo que vai me dizer aonde ir



quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Soul de dia

A carne é crua. A vida é curta. E crua e curta é a noite que me esbarra sozinho.
Fui te saber tão clara, sob holofotes e velas nas sacadas das casas. Fui-te saber tão viva. E agora te vai amarga e finda para destino que ignoro.
Fui pra ser um de vós, ilustres notívagos. Queria também bailar com as estrelas, dançar teu tango no escuro. Espiar no breu os transeuntes e os ficantes. E ser chuva e drama levado pelo vento. Moça de esquina, de tempos em tempos. Moça e menina. 
Plaina e clara é pele refletida. São faróis ou flashs que me confundem as vistas?
O tempo é pouco, o dinheiro mingua. E minguo e pouco, é o que faço de mim. Fui-me saber tão diurno, que tardo, amargo e obtuso, sob qualquer crepúsculo.
Já é tarde meus amigos taciturnos, amantes da dama de negro. Despeço-me e conto-lhes meu segredo. Se o sol se põe, eu me ponho. A noite não é minha senhores, a noite é dos sonhos!

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Amon Ha- ha-ha-ha (Homenagem póstuma para um grande amigo)


Seu nome é a continuação de um riso...

Hoje vai ter farra, ontem teve e amanhã também. Vai ter passeata de puta, luto nos botecos e tristeza para os que ficam. Só não vai ter baixo astral, até porque isso não era permitido estando com ele. Quem já teve esse privilégio há de concordar comigo. Tudo era motivo de chacota, de escracho. Nenhuma resenha era tão boa se ele não estava.
Gente boa, da melhor espécie. Tinha um coração grande, no qual guardou um milhão de amigos. Gostava muito de somar, mas o que ele sabia mesmo era dividir. Para ele, a alegria tinha que ser compartilhada. Nunca teve apego ao dinheiro, talvez por isso nunca tenha faltado para ele. Não importava quantos Reais, mas sim a boa companhia. Vai me dizer que você conhece muita gente assim. Conhece não, Amon era uma raridade.
Geralmente, quando alguém morre, a gente sempre encontra uma coincidência aqui, um sinal ali. Pois comigo foi assim: chovia muito aqui na noite de sábado e como o clima estava favorável resolvi ficar em casa. Tomei um banho e fui procurar uma bermuda mais folgada pra dormir. Revirei o guarda-roupa até que achei uma bermuda laranja. É uma bermuda dessas de elástico e bolso dos lados, feia demais. Eu nunca compraria uma bermuda daquelas. Mas como era pra dormir, confortavelmente e sozinho, não importava a estética. Tive uma noite intranquila, acordei algumas vezes durante a madrugada e levantei com aquela pontinha de tristeza que só as manhãs de domingo trazem. De bermuda laranja, fui cortar um abacaxi na cozinha. Foi quando meu celular tocou sinalizando uma mensagem: era meu pai me contando que Amon tinha morrido.
Ai “Rasga”, lembrei-me daquela manhã de domingo, depois de um virote daqueles, a gente tomando uma cerveja, curando a ressaca num banho de bica e comendo uma galinha ao molho pardo na beira da estrada que vai para Jequié. Lembrei-me da vez que a gente foi buscar o Escort em Ubatã e eu quase bato o carro que você deixou comigo. Do réveillon antológico que a gente passou lá nos 3 Coqueiros, daquela festa, daquele rock, daquela vez, enfim. Lembrei que a bermuda laranja era sua.
É assim que vou lembrar de você meu irmão. Em todo brinde, toda boa risada, todo momento de felicidade. É assim que você gostaria de ser lembrado.
E como aqui, nenhum lugar era triste se você estava, onde estiver, a farra continua.
Valeu Rasga! Um dia te devolvo a bermuda laranja, você vai fazer sucesso com ela.
Fica em paz. Um grande abraço.

Kaike Lamoso- “A lama”.

terça-feira, 19 de julho de 2011

CFA- caminhos fáceis de achar

Por referência à Caio Fernando Abreu


Dói, vez em quando dói, quase sempre dói.
E como dor, é preciso que doa e anuncie seu lugar.
Antes era amor, sempre amor, quase sempre amado.
E não importa o antes, se depois do quando, eu já não me achava.
Se todo dia, todo gosto exasperava ausência e fim de tarde.
Dói-de-dor-doída, de lágrima caída e gosto de sal.
Estive mal, tal qual um ovo apunhalado.
Quem quiser, que me coma cru e ácido e azedo.
De homem, um arremedo.
E a dor não falta.
Passa e escorrega a baba sobre seios que não são os dela.
Estive prostrado em mim mesmo, esperando não sei o quê do dia seguinte.
E estive no dia seguinte sendo um resto do que houvera.
Embora tonto e, portanto, chutei bola pra frente.
Corri adiante, me fiz diferente.
Dói, vez em quando dói, quase sempre dói, mas uma dor deveras contente.
Agora quem quiser que aguente, fui à forra.




sexta-feira, 15 de julho de 2011

Mini ficção I


Ela era uma sergipana do interior. Olhos claros, cabelos anelados e fartos. De uma beleza sutil, foi por muitas vezes ignorada por aqueles de olhar mais distraído. Aprendera desde cedo os afazeres domésticos e apesar do pouco estudo, era safa. Tragava as ideias que pairavam no ar esfumaçado da biblioteca após as reuniões dos homens e enchia os pulmões. Foi criada com os irmãos, homens e mais velhos. Não cabe aqui discorrer sobre cada um deles, o importante é saber que o mais abastado estava de partida para a Bahia. Naquela época dizia-se da boa terra o que hoje se diz de São Paulo: o futuro mudou-se pra lá. Ela tomou conhecimento dessa notícia pelas frestas da porta. Não que gostasse de espiar a vida alheia, mas ouvir os homens e seus assuntos importantes era sua pedagogia.

De coração agoniado e correndo para esconder-se de todos, foi para os fundos da casa. (Eu nunca escutei nada a respeito, e talvez seja coisa de um narrador que fantasia, mas desconfio que algo mais se escondia lá naqueles fundos). Ela tinha certeza.

- “Talvez ele me leve”. “Talvez ele me leve”. Essa passou a ser sua prece.

De joelhos e cabeça baixa em frente a uma parede enegrecida pela fumaça do carvão e ornada por teias de aranha dignas de um filme de terror, ela pedia. Isso, de fazer sua oração nesse quarto abandonado e de paredes queimadas, não tinha para mim, mero observador, nenhum motivo aparente. Mas em verdade vos digo, era um pedido dotado de uma intensidade colorida e da sua cabeça emanava uma aura clara. Eram palavras ditas em pensamento, embora pudessem ser ensurdecedoras em certos momentos de audição.
Os dias passavam rápidos entre as conversas na biblioteca e suas fugas para o fundo da casa. Sem muita escolha e ansiosa para encontrar o seu futuro, ela imaginava a Bahia. Via ondas do mar na espuma do sabão e se distraía ao perceber sua imagem refletida no espelho d´agua do riacho que corria margeando a casa. Era menina? Era mulher? Admirava a força dos crioulos carregando sacos de peso abissal e a beleza de outros crioulos tocando tambores, enquanto moças igualmente negras e de turbante, dançavam em passos ritmados. Todos suados, brilhando sob o sol escaldante, exibiam seus dentes brancos num sorriso capaz de alegrar o mundo. Talvez fosse aquilo o carnaval. Talvez a felicidade fosse negra, de sorriso largo e branco. “Talvez ele me leve”. Ela sonhava.

Mini ficção II

No próximo dia 26 completaria cinco anos que ele estava lá. Depois de um acidente automobilístico no qual a quinta vértebra da sua coluna não foi capaz de absorver o impacto, a fratura o deixou tetraplégico e a pancada na cabeça relegou sua mente a um irreversível estado de dormência, ele estava fadado a viver eternamente na caixa de sonhos.

E, embora a profissão dela exigisse isenção e coração duro, e ela, como era sabido por todos, ser extremamente profissional e impassível, aquele paciente, fazia-a esquecer do juramento.

- Em coma e tetraplégico. Isso não é vida!

Ela repetia isso quase todo dia, não importava o lugar, nem a quem. Apesar de todos no Hospital saberem da sua indignação com o destino e da sua queixa com Deus pelo estado daquele paciente, as palavras dela fazia eco pelos corredores.

Todavia, naquele Hospital, poucos sabiam que há um lugar na alma humana onde estão os ouvidos e os olhos internos.Poucos, porque afinal, isso não se aprende nas faculdades de medicina, mas já nasce com a gente, mesmo não podendo ser detectado em algum desses aparelhos de diagnóstico por imagem, existe. É lá onde falamos conosco e nos reconhecemos. É a alma em estado puro.

Ocorre que no dia do aniversário de cinco anos da internação daquele paciente, nada mudou no protocolo: comida pela sonda, troca de fralda e banho com lenços umedecidos. Bem como nada mudou no paciente: sem movimento, sem reação, músculo involuntário batendo e sacos se enchendo com a ajuda de aparelhos. No entanto, dentro dela, lá naquele canto que a gente sabe que existe, havia uma luz.

Naquele dia, completaria cinco anos que ele estava preso no seu próprio corpo. Naquele dia 26, ela fez dele um homem livre. Naquele dia, a liberdade acendeu dentro dela e ninguém ouviu o ruído dos seus reclames.

Mini ficção III

Ele foi embora sem olhar para trás. Esse gesto, o de ir embora, não era novo aos olhos dela. Ele o tinha feito outras vezes, mas, nesta feita, algo no seu jeito de caminhar denunciava: ele não vai voltar. Talvez fosse sua pisada supinada, a bolsa a tiracolo ou o bom dia desanimado. Talvez fosse o peso de carregar tantas mensagens. O fato, é que ele não voltou.

Se morreu, se caiu, se casou, pediu aposentadoria ou foi mordido por um cachorro; se mudou de rota, de serviço ou de vida. Se tem mulher, filho, família. Se é João, Pedro ou Astrogildo. Ela nunca vai saber. 

Coube a ela imaginar que fatídico acontecimento ocasionou o seu sumiço; construir todo tipo de ilação para sua ausência, a fito de entender porque, simplesmente, na manhã de um belo dia, ele não veio e não disse, com sua voz macia, no interfone:

- Bom dia. É o carteiro. 


segunda-feira, 4 de julho de 2011

Sonhos e Castelos de Areia


É que tudo começa na Bahia.
O calor, manhã nascendo, feixes de luz entrecortados pelas palmas dos coqueiros eram flashs. Um vermelho intenso era tudo que ele via. O sol ardia nas suas pupilas, mas o sono insistia. Estava claro que era um sonho. Esse jogo de luz e sombra, do sol com a palha do coqueiro, só poderia ser um sonho. Desses que pregam peças, nos colocam no centro de um furacão a girar. E girando como num tango, frenético e despencado, ele acordou. Mareado do que viveu. Perdido no intrincado confuso dos lençóis e fronhas. Afogado na realidade. Bebeu água na fonte, mas a expressão que lhe ornava a fronte, era saudade.
O quarto era simples. Um ventilador sem grade sobre o criado mudo fazia som ambiente. Uma gaveta, bíblia sagrada para os aflitos e um abajur de luz amarela.  As paredes azuis, pintadas de tinta cal, confundiam a noite sobre a hora de chegar. E a noite era mesmo preguiçosa naquele lugar. Num ponto qualquer entre Porto Seguro e Salvador, uma esquina de praia, onde o mar toca a brisa e tudo umedece de sal e desejo.
É lá que repousam seus dias tranquilos. Estendidos ao sol, em total intimidade com o calor das horas felizes. Os segundos de orgia e bálsamo se entrelaçavam no seu DNA. Ventos fortes exortavam as nuvens negras do temporal e o vento terral que jogava fora o telhado deixava nua sua memória perante o julgamento infame da verdade.
- Ah, a verdade.
É que tudo se transforma em São Paulo.
O cinza, estrelas se escondendo na fumaça da manhã, o dia estranho, o sorriso tímido, a moça desconcertada. Cigarro na boca e uma saia de vinil preta cobrindo apenas 1/3 da meia calça vermelha, bota retrô transada em qualquer brechó. Pisava o chão numa marcha desalinhada, os ombros muito arqueados para trás emprestavam aos braços longilíneos o motivo para uma asa. Estava para se perder no próximo cruzamento.  E quando ele a encontrou, parada no meio da Paulista, olhando para o infinito que corria ao longo dos arranha céus, indagava a si mesma: - como podem ser tão altos e duros, olhando assim, de cima, um olhar concreto?
E discreto, para si mesmo, ele respondia: Como pode? Como pode uma pessoa mudar assim?
A pergunta vinha sufocante como gás carbônico. É guerra, é caos. Ele via nos livros.
Como pôde perder de vista a esquina dobrada, o fluxo da desordem beirando o meio fio, atentando contra qualquer forma de vida que se arriscasse a florescer. Uma água maligna. Mistura corrosiva de poeira e ódio e pressa e cobiça. Um veneno destilado da boca dessa imensa serpente prestes a engoli-lo, mas não sem antes apertar os ossos do seu crânio contra o concreto, anuviar suas pupilas e o jogar à margem de si mesmo.
Era no meio de pensamentos transtornados que repousava a sua calma. Era preciso dizer. Sim, era preciso se livrar dessa bola amorfa que tapava sua garganta. O silêncio lhe dava náuseas.
Ele deteve-se à sua frente. Olhou-a nos olhos. Segurou no pulso do braço esquerdo usando o polegar e o indicador como uma algema. Ela tentou se livrar, mas o grito dele a paralisou.  
-Você precisa aceitar. Eles só querem teu bem. A vida que você quer não leva a lugar nenhum, nem dá camisa a ninguém. Vem viver comigo, a nossa casa te espera. A comida está no fogo, a mesa está posta. Vem meu amor, você vai ver como todos te admiram, reconhecem tua força e cuidarão da sua enfermidade.
- Não me submeto se é isso que você quer saber. Eu apenas preciso aceitar? Ah, nem tudo é passível de explicação, nem tudo carece do teu entendimento. Que vá a merda você e suas conjecturas. Essa moral falida de família feliz. Deixe-a nos portas retratos, nas verdades maquiadas na mesa de jantar. Esse peso, que carregue sozinho.
As palavras dela ecoavam no vazio entre os prédios. O trânsito parecia mudo. Era como se o mundo dependesse do desfecho daquela conversa. Era como se ambos arriscassem um jogo perigoso sobre a linha tênue que separa amor e ódio.
- Você não precisa se punir assim. Essa vida não te pertence. Eu te perdoo e todos te perdoarão. Esquece essa loucura e volta pra mim. Volta para você mesma, vai buscar quem você foi onde ficou.
Falava aquilo imaginando uma cruz nos ombros arqueados dela. Sobre as asas de anjo maculado pelas idas e vindas à Rua Augusta, ele queria por o peso do mundo.
- Só há cruz quando se há pecado. E esse teu discurso ensaiado, cheio de pedras-palavras, não faz se não me deixar mais forte. Prepara teu bucho. Lava tua cara. Penteia teus cabelos. Cuida das tuas chagas. A hora de partir é chegada. Vou-me embora sem medo. Pelo lampejo divino que iluminará minha estrada, partirei com o primeiro raio de sol. E você verá o meu ser, cheio de luz, cumprir o destino fadado. Esqueça-se dessa e  enxerga a mim. A moça pela estrada a fora, alheia ao teu mundo e ao teu pecado inventado.
Era o fim do amor e o começo do desespero. Perder seu anjo para o mundo era demais pra ele. Desaprendeu a dividir. O que era seu, era seu e pronto, não cansava de repetir. Só ele podia desistir, não cabia a ela colocar ponto final em nada. Ele era o dono dessa história. Uma fábula mal contada, cheia de verdades desfocadas, permeada de desatinos e cores borradas. Era um sonho de vida nova, delírio de cidade grande.
A esperança se erguia, e ao longe parecia firme, estruturada. Causava admiração nos amigos, inveja nos inimigos e descrença nos despeitados. A esperança era um templo. E naquele lugar, toda palavra ganhava som de oração. Num altar cosmopolita, enfeitado por falsas promessas, o amor definhava.
Pagaram. Deixaram ferida nova virar chaga antiga. E na cidade grande onde tudo corrói como o ferro lambido pela maresia, como vida encharcada pelo cotidiano; Era tudo novo e mesmice. Tudo certo e confuso. Tudo seu, tudo cinza. Sem brisa pra refrescar o tempo.
E o tempo fechou. Era o céu, era cinza e choveu. O castelo desmoronou, o sonho caiu. O amor mudou. Ela mudou. E tudo ao seu redor se transformou.
- Os prédios e os castelos de areia se alimentam dos sonhos. Ela disse, olhando-o com olhos de quem vai.
Ele insistiu: 
- Embora os sonhos desmoronem, é preciso vivê-los, é necessário pintá-los. É preciso lembrá-los e existí-los em sua plenitude. Mesmo quando tudo que parece sólido se desmanchar no ar, temos que acreditar. 
- Me deixe. Permita que eu vá. Não olhe para trás. É sonho. E é meu. Vou levar você comigo. Porém, sonho não se compartilha e não se empresta. Fica com Deus. Cuide de você. Eu cuidarei de mim. Fica bem. Te quero bem. Tchau.
Pelo cinza do céu vazava um feixe de luz. E a prata do seu punhal ganhou tons dourados. O brilho ofuscou suas vistas, iluminou sua ira. Era sonho e era dele. E ele não admitia que fosse diferente.
Rasgou a carne dela num movimento preciso. O metal deslizava contra as fibras do útero. E em voz baixa, como quem está a contar um segredo, ele murmurou.
- Não terás vida nova, nem vida antiga. Me mostra. Me diz onde está você. Aquela menina de cabelo encaracolado, de olhar risonho, pra onde foi? Onde você a escondeu?
E mesmo dentro dela. Mesmo tendo o sangue da amada em suas mãos, ele não a reconhecia.
Um outro golpe certeiro interrompeu o gemido dela. E logo depois outro, seguido de mais um.
O anjo desfaleceu. A luz não veio. O caminho acabou.
Naquele momento, em meio aos prédios, a multidão e a fumaça dos escapamentos, a serpente deu o bote. O sangue destilava o veneno na vertigem do cotidiano. Ele sentia a areia do mar da Bahia afundar debaixo dos seus pés. As ondas iam e vinham pelo negro do asfalto. O vento nordeste encrespava o mar e acariciava os prédios. O sol, as palhas do coqueiro. A sombra, o cinza do céu.
Só podia ser um sonho. Desses que nos botam por demais confusos. Sem saber se vivemos ou se sonhamos. Sem saber o quanto da vida é sonho e quanto do sonho é seu.
Ele cavava. Todos os dias, na maré seca, ele construía um castelo de areia. Todo dia, na maré cheia, seu castelo ruía. Sonhos e castelos de areia. Vaivém da vida, vaivém da maré.
Era real. E um vermelho intenso era tudo o que ele via.


segunda-feira, 20 de junho de 2011

Um poema, duas mãos (em parceria com Dani do profundaidade.blogspot.com)




A magia do olho está no jeito de olhar.
- A vista é a do mar, aqui no Rio Vermelho...
- As tardes costumam usar um traje sensível, e vem uma saudade do nada. E deixo o mar me encher, como o mar em maré...
Até a beira de uma praia qualquer, se dá gosto de olhar, dá vontade de comer.
- E essas considerações, formo e abandono, em um trago lento de fumo que ergue-se e se dispersa longe.
Essa fumaça, pra quem vê além, são nuvens esparsas onde o amor se esconde...
- é talvez, no fundo. O amor é isso: soltar-se no ar, pela escada inexistente e a capacidade de se iludir.
- e espairecer.
Pois, nesse jogo de achar, melhor mesmo é se perder.
- Desde que qualquer coisa se possa sonhar, é a fuga abstrata do tempo.
É o vento que começa a soprar. E o fim de tarde vem lento, nessa cidade rodeada de mar, o que é? O que há?
- É qualquer coisa despertando em mim, aquela sensibilidade tênue... própria de quem sabe chegar e não teme.
 Eu mesma, que acabo de dizer: anseio alto pelo sol na fronte e pelo horizonte inteiro.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

De tempos em tempos


Minhas palavras saíram de recesso.

Desconfio seriamente que nas entrelinhas do meu alfabeto há um líder e algum movimento de revolta.
Que embora não erga sua bandeira, nem me desafie com o dedo em riste, me deixa assim: nu.
Suponho que existe um canto da minha alma para onde as palavras migram de tempos em tempos.
Penso que esse lugar pode ser um barril de carvalho, no qual, incólumes, os dizeres do porvir estão em puro estado de maturação.
Posso sentir os aromas, perceber seus tons de furta-cor, mas não me é permitido tocá-los.
São como virgens imaculadas. 
E eu, um lobo feroz à sua caça.
Não obstante, esse meu desejo é puro afã.
Só me resta supor e esperar com os pés em água quente.
E a propósito de querer eximir qualquer tropeço nas etiquetas,pelado de palavras,vou em frente.
Meu silêncio é quase um atentado ao pudor.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Maresia


Soaram as canções de um novo tempo.
Há sementes nas rugas da terra.
Glóbulos brancos, vermelhos, hemoglobina explode nas minhas veias.
Cobri meu corpo de vinho tinto e me fiz puro sangue.
Um ar de aurora ventila meus pulmões.
E essa coisa, como que saída da placidez de um parto, era você.
Tu vinhas.
O teu cheiro, no entanto, chegava antes.
Teu perfume viajava com pressa.
E ia assim, ligeiro, avisar minhas narinas,
pra que liguem os neurônios.
Chegou a hora, vai começar o jogo.
No hipocampo, são milhões pra cada lado.
E no meu emaranhado de carbono e água,
Impulsos elétricos serpenteiam em procissão.
Vão buscar o dia exato, a hora precisa;
na qual, por magnetismo ou peça pregada ou desarranjo astronômico,
de Libra com ascendente em Peixes,
ou um daqueles feixes de luz que partem do infinito,
rompem a atmosfera das coisas,
e me põem por demais aflito;
Me dizer em sonho, quando tú havia de morar comigo.
E a pretexto de me deixar mais calmo,
a brisa interveio sobre as águas.
Me embalei naquele bailado.
As ondas refletindo a lua.
E agora bem mais sossegado,
Percebi que ao meu redor nada existia.
Tu vinhas.
E o teu cheiro, pelo barulho de uma concha, me dizia:
Dorme coração, não te aporrinha. 

terça-feira, 24 de maio de 2011

Assassinos


Eu realmente não sei se algum de vocês está interessado em saber da minha vida, ou quais são minhas impressões acerca disso ou daquilo outro. Ocorre que eu sou um tipo agoniado, daquele que quase não pensa antes de falar.

“Isso ainda vai te causar muita dor”, me disseram algumas vezes. Falam como se eu não soubesse. Com todo respeito, a dor vai ser minha ou sua?
Desculpe começar assim. Acontece que sou do tipo que gosta de interpelar, polemizar, tirar as pessoas das suas zonas de conforto. Se você ainda está aqui, depois de um inicio tão rude, é porque surtiu efeito, e você quer mesmo saber o que esse cara de palavreado tão valente tem a dizer. 
Então chega mais pra cá. Posso oferecer alguma coisa, um cafezinho?
Puxa a cadeira ai e fica a vontade. Esse imbróglio inicial foi só pra espantar os preguiçosos. Eles me tiram do sério! Com suas pinças em punho são implacáveis. Homicidas em série da literatura. Depiladores das palavras que agem sorrateiramente. Sob o álibi de estarem em um momento vulnerável, cometem absurdos.
Estou falando dos leitores-citadores. Aquele cidadão ou cidadã que se apropria das palavras de um autor, pra fazer lobby, charme, pose. Sem entender ao menos o contexto sob o qual aquela obra foi erguida, abrem aspas a seu bel-prazer. Decapitam o amor, tiram sarro da saudade, invadem a solidão alheia sem o menor pudor.
Se suspeitam que é amor, Vinicius de Moraes. Se parecem volúveis, Clarice Linspector. Dúvidas no relacionamento, Carpinejar. Algo mais cru, Caio Fernando. Mais bem passado, Fernando Pessoa. Por ai vão. E sabe o que é pior? Não adianta, eles nunca vão mergulhar mais fundo. O sentimento deles é raso. O que citaram ontem com palavras de outrem, hoje, não faz sentido algum. Eles nem lembram. Sentem tudo de maneira rasteira e confusa. Fazendo chacota de quem realmente os sentiu.
Senhores (as), antes de citar alguém, mais do que abrir aspas, procurem saber de onde aquele trecho foi extraído. Não saiam por ai elegendo pontos finais ou reticências no pensamento alheio. 
Um escritor sentado de frente para uma folha em branco, é como Deus no instante anterior à criação. O que vem depois é o que te cabe sentir e apreciar com toda a intensidade.
Um texto, por menor que ele seja, é como tudo no mundo. Cada sílaba que está lá tem uma razão para existir. Tirar um pedaço dele, sem ter seu consentimento, é mata-lo aos poucos. Para ganhar o privilégio de levar parte qualquer, é necessário se fazer íntimo, chegar mais perto. Debruçar o som de cada palavra sobre a língua. É preciso sentir o gosto e não apenas gostar.
Ainda ontem, por pura curiosidade ou pressentimento, coloquei um trecho de um texto meu no Google. Para minha (in) grata surpresa, além de aparecer no meu blog, onde de fato deveria estar, descobri que ele havia se espalhado (que bom que eu escrevi algo e angariei mais leitores por ai, é uma honra), porém, tinha sido destroçado. Com direito a grifo do assassino em baixo de cada estrofe ficou fácil descobrir o gatuno. Não precisei nem lançar mão das minhas técnicas investigativas que tenho aprendido com “The Mentalist”, que saco!
Vocês devem estar se perguntando onde estava o texto, correto? 
Bom. Era um Tumblr (espécie de blog, diário on line ou coisa que o valha) de uma garota típica dessa geração “Y”. Não sabe quem é, pra onde vai, nem o que quer. Pior, não sabe diferenciar o que de fato sente ou o que está na moda sentir. Uma pena, tão bonitinha e bem intencionada, que se eu estivesse disposto a caridades até tentaria um grito de alerta. Mas não foi o caso. Fechei a página dela, que por sinal era grotesca, e fui embora da rede.
O que me sobrou foi essa raiva com a qual iniciei o texto. Mas que logo passou. Recebi tanta resposta positiva por esse mesmo texto, que me achei um turrão de marca maior, ingrato demais. Achando que esse egoísmo não combina comigo resolvi relevar.
Afinal, quem sou eu pra dizer o que se deve fazer da literatura?
Ela é algo que transcende qualquer entendimento ou julgamento. Bem maior que eu, por exemplo, que sou apenas um aspirante a escritor.
Por isso, em resumo da minha insignificância, gostaria de agradecer a paciência, a presença e a leitura de cada um. Juro que o próximo texto vem repleto de bom humor. No entanto, não vou voltar atrás do que falei, nem ignorar minha inspiração. Ofereço minhas sinceras desculpas. Aceita mais um café?